Retrospectiva 2024: F1 vive reviravolta e entrega melhor ano das regras do efeito solo
A F1 precisou de três temporadas para enfim entregar um bom campeonato diante do impacto do regulamento do efeito solo, introduzido em 2022. A temporada que coroou o merecido tetra de Max Verstappen testemunhou corridas imprevisíveis e uma revolução da ordem de forças. Só não foi melhor porque a McLaren teimou em não vencer e... Bem, Verstappen é Verstappen
QUANDO O REGULAMENTO que trouxe de volta o efeito solo foi introduzido, a intenção era tornar a Fórmula 1 imprevisível, melhorar o espetáculo e ajustar um dos pontos mais fracos das regras anteriores: a extrema dificuldade de ultrapassar. Três anos depois, o Mundial ainda se bate para entender e avançar em um conjunto de normas que se mostra bem mais complexo do que se previa inicialmente, mas há uma luz no fim do túnel, e 2024 foi a prova. Enfim, a maior das categorias viveu uma temporada de reviravoltas, surpresas e emoção — dentro e fora das pistas. E só não foi melhor porque a McLaren teimou em não assumir o papel de protagonista, enquanto Max Verstappen ratificou a posição de melhor piloto do grid, apesar de alguns momentos de maior fragilidade. O tetracampeonato foi mais do que merecido em um título que talvez tenha sido o mais difícil da carreira até o momento.
O fato é que 2024 tentou avisar que este não seria um campeonato linear, como uma extensão do domínio da Red Bull do ano anterior. E isso se deve a uma bomba que caiu sobre as garagens da equipe austríaca, às vésperas do início dos trabalhos de pré-temporada. O chefão Christian Horner foi acusado de comportamento inapropriado por parte de uma funcionária do grupo. O caso ganhou enorme repercussão. Horner foi investigado e, no fim, inocentado. Mas as consequências do episódio desequilibraram a paz que havia na equipe, porque se instaurou uma guerra de poder entre Christian e o consultor Helmut Marko, que ganhou o apoio do pai de Verstappen e da parte austríaca da marca dos energéticos. Horner, aparentemente, saiu vencedor do embate, por ter o suporte do lado tailandês. Mas não teve como segurar a debandada que se seguiu. Nomes como Adrian Newey e Jonathan Wheatley optaram por deixar o time, assim como outros engenheiros e aerodinamicistas. O que debilitou a esquadra mais do que se imaginava, porque as perdas não foram sentidas imediatamente, mas as sequelas agora são profundas.
Como se não bastasse, também antes dos primeiros testes, a Fórmula 1 acordou em meados de fevereiro com a notícia que balançou as estruturas e antecipou a silly season. É que Lewis Hamilton decidiu encerrar o longevo vínculo com a Mercedes para defender o vermelho Ferrari em 2025, no lugar de Carlos Sainz — que, apesar de analisar muito as possibilidades do grid, acabou assinando com a Williams. O inesperado anúncio caiu como uma dinamite e mexeu com boa parte do grid. Até mesmo com o próprio heptacampeão.
Mas essas não foram as únicas histórias explosivas de um ano atípico. 2024 reservou muito mais. Porque a F1 testemunhou estreias importantes, como as dos jovens Oliver Bearman e Franco Colapinto. O primeiro andou no lugar de Sainz na Arábia Saudita e, depois, voltou para assumir a Haas em duas oportunidades. Fez bonito nas três aparições e ganhou uma vaga de titular para o ano que vem. Já o argentino foi chamado para o lugar de Logan Sargeant na Williams e, apesar dos acidentes e do prejuízo que rendeu ao time, soube se colocar no radar de gente grande como a Red Bull e Flavio Briatore. Além disso, o Mundial também decidiu aceitar a entrada de uma 11ª equipe no grid, no papel da Cadillac, antigo projeto de Michael Andretti.
Mas bem antes disso tudo, quando os carros foram à pista no Bahrein, a vitória de Verstappen em dobradinha com Sergio Pérez assustou. Porque a distância para os rivais seguia muito grande. A impressão era que Max levaria facilmente o campeonato. E isso foi devidamente ratificado nas etapas seguintes: afinal, o neerlandês venceu quatro das cinco primeiras corridas — faltou só o GP da Austrália, onde abandonou com problemas. Mesmo assim, a sensação de déjà vu era forte. Enquanto isso, a Ferrari tentava se aproximar, a McLaren buscava o fio da meada perdido em 2023 e a Mercedes ainda engatinhava, tentando se refazer do tremor causado por Hamilton. É claro que o noticiário ferveu ao longo dos meses em especulações sobre o substituto de Lewis, o destino de Sainz e o tumulto dentro da esquadra taurina, em uma rixa que começava a se desenhar — além das críticas em torno do desempenho cada vez mais claudicante de Sergio Pérez — aliás, os rumores sobre o mexicano, que teve o contrato renovado, duraram até o fim do ano…
Só voltando um pouco. Na sexta prova do campeonato, quando a F1 desembarcou em Miami, a McLaren promoveu uma revolução e colocou na pista aquele que se tornaria o melhor carro do grid. Lando Norris venceu na pista montada ao redor do estádio dos Dolphins, mas precisou contar com a ajuda providencial de um safety-car no lugar certo. Mesmo assim, ficou claro ali que a equipe inglesa havia encontrado o caminho. Por outro lado, o asfalto ondulado e as zebras mais altas começaram a revelar os pontos fracos do RB20 — importante dizer aqui que a Red Bull mudara o conceito do carro, avançando por ideias mais extremas, e isso a afastou da comodidade do modelo antecessor. Só não foi tão descarado porque Verstappen levou a corrida seguinte, em Ímola.
Mônaco foi onde ficaram mais evidentes as falhas de projeto da Red Bull. Verstappen não passou de um sexto lugar, enquanto a McLaren precisou lidar com uma Ferrari rápida e eficiente das curvas de baixa do travado circuito do Principado. Charles Leclerc fez a festa ao enfim vencer em casa. Pareceu também que os italianos haviam dado um salto técnico, mas foi só fogo de palha naquele momento. O GP do Canadá, alguns dias depois, mostrou uma escuderia desastrada e sem performance. E como desgraça pouca é bobagem, a equipe de Frédéric Vasseur optou por uma pacote de atualizações na Espanha em que nada funcionou e ainda afastou o time dos ponteiros. Verstappen levou a melhor em Montreal, anulando McLaren e Mercedes, e também Barcelona, tirando proveito de novo da hesitação dos ingleses e da irregularidade dos alemães.
Foi então que o campeonato deu uma forte guinada que, curiosamente, começou com Max. Quando a F1 chegou à Áustria, o então tricampeão sustentava uma folga de 81 pontos para Norris, que já se colocara na segunda posição da tabela, superando Leclerc. E o taurino liderava com tranquilidade a corrida de casa da Red Bull, dando a entender que o time havia retomado as rédeas de seu destino. Só que um pit-stop malsucedido no fim da prova permitiu que Lando se aproximasse. Com mais ação, o inglês tentou de todas as formas o embate com o neerlandês, que jogou durou, até o toque. O britânico acabou abandonando, enquanto Max se salvou com um quinto lugar — mesmo sendo punido com 10s no total de tempo da prova.
A colisão entre os dois ponteiros foi a primeira grande polêmica do ano e abriu discussões sobre a disputa do título. De um lado, o comportamento de Verstappen, que, ao ser ameaçado, revidou de maneira agressiva, como nos velhos tempos, ganhando as manchetes e, em um segundo ponto, a postura de Norris, que procurou afastar qualquer desentendimento com o amigo Max. Só que o momento acabou abafado pelo eletrizante GP da Inglaterra. A chuva em Silverstone embaralhou tudo e fez emergir um Hamilton que parecia submerso nos problemas da Mercedes. O heptacampeão brilhou e aproveitou todas as chances para voltar a vencer. Foi um triunfo apoteótico. E mais que isso, mostrou que as Flechas de Prata poderiam sonhar mais alto.
Verstappen foi o segundo colocado naquele dia. Aqui vale o destaque porque o piloto #1 enfrentou diversos problemas no início da prova, em mais um capítulo da oscilação de rendimento da Red Bull. Mas foi dele também o chamado correto para trocar os pneus e voltar a andar rápido. A McLaren, por outro lado, cometia de novo um erro de leitura de corrida, assim como havia feito no Canadá e na Espanha. A confusão acabou por tirar a equipe da briga.
Uma semana depois, a McLaren se envolveu em uma nova trapalhada. Mesmo dominando o GP da Hungria, com Oscar Piastri à frente de Norris, o time decidiu inverter a posições, mas voltou atrás e pediu que o inglês abrisse passagem ao australiano — naquela que foi a conversa de rádio mais constrangedora do ano e em que, pela primeira vez, se ouviu sobre o ‘Papaya Rules‘ ou em tradução livre: as regras papaias — uma espécie de código de conduta da McLaren que deu o que falar. Lando obedeceu a ordem, enquanto Max vivia um dia de fúria. Além do desempenho irregular da Red Bull, o piloto se viu em diversas batalhas perdidas ao longo da corrida e precisou lidar com uma estratégia equivocada da equipe — terminou apenas em quinto depois de reeditar um belo duelo contra Hamilton. Outro destaque aqui: o rádio entre Verstappen e o engenheiro Gianpiero Lambiase foi um capítulo à parte naquele domingo de julho.
No fim de semana seguinte, a temporada seguiu surpreendendo. A Mercedes venceu — George Russell cruzou a linha em primeiro, puxando a dobradinha com Hamilton, que acabou herdando o triunfo em uma inusitada desclassificação do jovem inglês. Enquanto isso, Verstappen tentava se salvar e foi quarto, logo à frente de Norris, que, mais uma vez, se enrolou sozinho com uma péssima largada e pouca ação. Então, vieram as férias depois de uma primeira parte de temporada altamente caótica e de inesperados sete vencedores diferentes, graças ao crescimento técnico em momentos distintos das principais equipes — e claro, devido à queda considerável da Red Bull. Enfim, era o regulamento se pagando.
Mas havia ainda um campeonato de pilotos e um de construtores que já se desenhava dos mais interessantes. E por mais que Norris tenha vencido com folga o GP dos Países Baixos no retorno das ações, a sensação ainda era de imprevisibilidade, que acabou sendo confirmada na sequência, porque o GP da Itália vivenciou mais uma confusão da McLaren, que permitiu uma inexplicável briga entre Lando e Piastri. E no melhor estilo 2007, quem levou a melhor foi a Ferrari, que também se recuperou e ganhou com um inspiradíssimo Leclerc em plena Monza lotada. Mas os ingleses deram o troco no Azerbaijão, na vitória de Oscar — embora tenha sido um dia para esquecer de Norris —, e em Singapura, onde o britânico se redimiu para voltar a vencer. Neste ponto da temporada, Verstappen se via longe da briga por triunfos e acumulava queixas, enquanto o falastrão consultor taurino colocava a conquista do Mundial em risco.
De fato, a McLaren tomou a liderança entre os construtores em Baku, enquanto Norris tentava reduzir a distância para Max, que estava em 52 pontos, ainda restando seis etapas e três sprints. Havia, sim, uma chance real, especialmente diante da inconstância da Red Bull — apesar do desempenho do piloto #1 mascarar os problemas. E assim, três semanas depois, a F1 viveu uma segunda tripleta que acabou sendo decisiva para os rumos do campeonato. A Ferrari surpreendeu de novo e venceu com Leclerc e Sainz nos EUA e no México. Os pontos a colocaram na briga com a equipe laranja. Só que, mais do que isso, foram etapas que testaram Verstappen.
Incomodado pelo avanço da McLaren — e também dos italianos —, Max virou bruscamente a chave e adotou uma abordagem mais agressiva nas disputas de pista. Em Austin, ao empurrar Lando para fora logo na primeira curva, permitiu o pulo ferrarista. Mais tarde, repetiu a manobra, de novo em cima do inglês, e se deu bem, enquanto o rival foi punido. A pilotagem do neerlandês ganhou as manchetes, mas não no bom sentido. E o caso piorou uma semana depois, quando o tricampeão aprimorou a tocada e, de novo, jogou duro com os rivais. Desta vez, porém, acabou sofrendo punições rigorosas, de uma direção de prova que mudara o olhar sobre os embates do piloto taurino.
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As discussões aumentaram nos dias seguintes e, ao chegar ao Brasil, Verstappen era alvo de todos. Mas foi também em São Paulo que Max soube como rebater as críticas e fazer a narrativa virar a seu favor. Acontece que a etapa brasileira da F1 foi talvez a mais confusa do calendário, graças a uma tempestade que desabou sobre Interlagos no sábado, logo depois da sprint vencida por Norris, com ajuda de Piastri. Toda a programação precisou ser alterada e a classificação passou para o domingo pela manhã. E diante de um cenário de caos, com acidentes e bandeiras vermelhas, Lando ficou com a pole, enquanto o neerlandês foi apenas 17º, também por causa de uma punição por troca de peças na unidade de potência. Parecia um roteiro desenhado para uma virada do inglês… Porque uma eventual vitória já seria capaz de incendiar de vez a disputa.
Só que Verstappen tinha outros planos. Na pista encharcada, o líder do campeonato brilhou com uma pilotagem precisa e decisões acertadas nos boxes. Superou acidentes e paralisações, fez belas ultrapassagens e tomou a bandeirada em primeiro, naquele que, potencialmente, é o maior triunfo de sua carreira. Norris, por outro lado, cometeu erros, perdeu a ponta logo na largada e teve de amargar um sexto lugar, o que praticamente anulou qualquer chance de briga.
Dessa forma, a reta final da temporada foi um pouco menos tensa, porque Verstappen acabou por fechar a conta na prova seguinte, em Las Vegas. Ainda que tenha voltado a sofrer com uma Red Bull pouco confiável, Max foi capaz de fazer o que precisava para garantir o tetra — na verdade, a corrida nas ruas da Cidade do Pecado também serviu como um resumo fiel do campeonato. Quer dizer, a imprevisibilidade que marcou o ano se traduziu numa vitória expressiva da Mercedes, com Russell puxando a dobradinha com Hamilton. A Ferrari logo atrás e um neerlandês, brabíssimo, no controle dos prejuízos. Enquanto isso, a McLaren tentava entender o que deu errado — Lando, inclusive, terminou a corrida atrás de Max, em uma melancolia que se viu quase o ano inteiro.
Mas se o Mundial de Pilotos se resolveu por antecedência, diante da competência de Verstappen, o de Construtores só foi decidido mesmo na última prova. Isso porque o agora tetracampeão levou a melhor no Catar, em uma corrida marcada por uma direção de prova confusa. Mas a vitória o fez celebrar propriamente o título conquistado sete dias antes. Já em Abu Dhabi, a McLaren retomou o prumo e venceu. Mas a etapa derradeira também reservou alguns dramas finais. Porque Verstappen bateu em Piastri, a Ferrari quis aproveitar o momento e a Mercedes também brilhou, mas com Hamilton, desta vez. No fim, os papaias mantiveram a calma e levaram o título entre as equipes, encerrando um jejum que datava de 1998!
Dito isso, a última etapa também ficou marcada pelas despedidas de Lewis da Mercedes e Sainz da Ferrari. Outros que deram adeus foram: Kevin Magnussen, Guanyu Zhou, Valtteri Bottas, Colapinto e Esteban Ocon, que acabou deixando a Alpine antes do fim da temporada, abrindo caminho para a estreia de Jack Doohan. Destes últimos, apenas o francês conseguiu se recolocar no grid e vai defender a Haas.
2024 finda diante de uma inesperada reviravolta técnica, inspirada pela maturidade do regulamento. McLaren e Ferrari, especialmente, aproveitaram as chances, enquanto a Red Bull precisou mais do que nunca de Verstappen. Portanto, a Fórmula 1 não tem do que se queixar. Entregou um campeonato de verdade, embebecido em histórias bombásticas, imprevisibilidade dentro e fora das pistas e uma interessante rixa que já ganha o imaginário do público. E mais que isso, pavimenta um caminho firme para que 2025 seja, de fato, ainda melhor.
O GRANDE PRÊMIO inicia nesta quarta-feira (18) a Retrospectiva 2024, que vai lembrar os principais acontecimentos da temporada da Fórmula 1, que coroou Max Verstappen como o tetracampeonato e a McLaren como campeã entre os construtores.
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