Vettel tem em carro mal nascido chance de brilhar e até de se vingar da Ferrari

Sebastian Vettel é o homem que pode colocar a Ferrari nos trilhos. O carro italiano provou ser complexo e difícil e só a experiência pode ajudar. Curiosamente, isso acontece no ano em que os italianos decidiram dispensar o alemão para a próxima temporada

A ‘cagata’ SF1000 pode representar a chance que Sebastian Vettel tanto precisa para calar seus críticos e fazer também a Ferrari queimar a língua. Como se sabe, o alemão, dono de quatro títulos mundiais, foi descartado por Maranello para a próxima temporada. O chefão Mattia Binotto passou a mão no telefone, antes mesmo de o campeonato começar, apenas para avisar a Seb que os italianos não tinham mais interesse em seus serviços para o futuro. Nem sequer uma oferta foi feita ao piloto. Pois bem, a equipe vermelha havia decidido apostar as fichas todas em Charles Leclerc – que, inclusive, ganhou um inédito contrato de mais cinco anos. E ainda chamou Carlos Sainz para 2021, formando uma dupla das mais jovens da história da escuderia. Só que o 2020 ainda tinha/tem de ser vivido, não? E a realidade é mais dura do que se esperava.

Um pouco mais do contexto: “Depois dessas três primeiras corridas, ficou claro que temos um desempenho muito pior do que esperávamos e precisamos reagir sem demora”, disse Binotto após o GP da Hungria, disputado há pouco mais de uma semana, em que apenas Vettel chegou na zona de pontos.

“Todo o projeto do carro precisa ser revisado, levando em consideração os limites atualmente impostos pelos regulamentos. Estou bem ciente de que não há varinha mágica na Fórmula 1, mas temos de acelerar o processo para mudar as coisas, tanto a curto quanto a longo prazo”, completou o italiano, que vê a equipe na quinta colocação no Mundial de Construtores.

De fato, o carro mal nascido é uma dor de cabeça alucinante. Aliás, desde a pré-temporada, já se imaginava que as dificuldades seriam muitas, mas ficar tão atrás de Mercedes e Red Bull definitivamente não estava nos planos. Tanto é assim que, mesmo antes de colocar o modelo na pista do Red Bull Ring no início do mês, a Ferrari já falava em um pacotão de atualizações. O GP da Áustria, então, escancarou a falta de velocidade, tração e equilíbrio do carro. Vettel sequer foi à fase final da classificação, enquanto Leclerc passou por menos de 0s1. Na corrida, chamou a atenção o pódio do monegasco, é verdade, mas foi apenas circunstancial, diante do número elevado de abandonos e quebras. Mais do que a segunda colocação, a confiabilidade foi o único motivo de alento real daquele fim de semana. Vettel foi décimo.

Quer dizer, em uma corrida difícil do ponto de vista da máquina, após quatro meses sem atividades, a Ferrari aguentou bem. E isso ajudou a minimizar as críticas quanto ao desempenho puro do modelo vermelho. Só que a segunda vez no circuito dos energéticos fez essa máscara cair de vez. Nem a chuva que desabou na sessão que formou o grid foi capaz de relativizar a performance, para que Vettel e Leclerc tivessem uma chance. Muito pelo contrário, ambos enfrentaram dificuldades para manter o carro na pista – a SF1000 se mostrou como é, complexa e indomada. Desta vez, foi Charles quem não chegou ao Q3. Seb ainda foi, mas não passou do décimo posto. O esforço dos pilotos contou mais que o desastroso carro.

Charles Leclerc atropela o carro de Sebastian Vettel e força o abandono do companheiro de Ferrari

O desempenho ferrarista (ou falta de) causou espanto, especialmente pela condição daquela classificação. Ainda, naquele fim de semana, os italianos decidiram antecipar as atualizações que estavam programadas apenas para a Hungria. Vettel se deu melhor com o assoalho novo e as asas, já Leclerc sofreu mais, apontando queda de ritmo em linha reta. É bom destacar aqui que parte dos problemas também tem a ver com a redução significativa da performance do motor, notadamente após o imbróglio do acordo secreto com a FIA.

E se já era ruim o bastante estar no meio do pelotão, sabendo desse ritmo pouco competitivo, o que aconteceu no domingo foi ainda pior. Charles se jogou como se não houvesse o amanhã na curva 3, logo após a largada, e atingiu em cheio o companheiro de equipe. Resultado: os dois carros fora. A segunda-feira foi quente nas redações dos principais jornais italianos. As manchetes não pouparam Binotto, a SF1000 e sobrou até para Leclerc. Apenas Vettel saiu ileso: o Q3 e a culpa zero no acidente o protegeram dos ataques. A Ferrari seguiu para a Hungria sob pressão. E lá, o cenário não melhorou muito, apesar das peças novas e dos dois pilotos na fase final do treino que formou o grid. Mas coube a Seb mostrar o caminho.

Ainda que tenha sido sacado e que tenha demonstrado um natural desgosto, o alemão sempre defendeu o profissionalismo em seu último ato como ferrarista. E talvez esteja aí a chance de a Ferrari não passar uma vergonha ainda maior. Do mesmo jeito que Lewis Hamilton consegue se sobrepor ao excelente carro que guia – afinal, o inglês meteu 1s2 em cima de Max Verstappen num aguaceiro de dar medo na Áustria –, Vettel tem também a oportunidade de escrever esse capítulo a sua maneira. Tirando o tal leite pedra. Um pequeno exemplo foi dado no GP da Hungria.

De novo, Seb conseguiu se classificar à frente de Leclerc. Mas foi na corrida que mostrou o quanto a experiência pode ser valiosa. Logo depois que a largada provou que o asfalto do Hungaroring já tinha condições de pneus slicks, a Ferrari chamou o monegasco para troca e enfiou no carro pneus macios usados. Os mesmos vermelhos que já tinha apresentado um desgaste grande em poucas voltas. Uma estratégia controversa, para se dizer o mínimo. Quando os engenheiros tentaram o mesmo com Vettel, a resposta foi não. O tetracampeão sabia que enterraria a corrida se seguisse o pit-wall. Pediu pelos médios, foi atendido e levou o outro carro vermelho ao sexto posto. Poderia até ser melhor, é verdade, mas foi a inteligência e perspicácia do alemão acabou por salvar um bom resultado.

Sebastian Vettel não deixou a Ferrari comprometer sua corrida na Hungria (Foto: Ferrari)

Ou seja, quando o carro é vencedor, a chance de um piloto mediano fazer bonito é grande, a história está cheia de exemplos e o grid atual também. Mas quando as coisas desandam, como acontece agora com a Ferrari, a tarefa de orientar e tirar o máximo se torna bem mais complexa. Aí é preciso ter alguém que confie nos instintos e que saiba usar a experiência – a história está cheia de exemplos também, assim como o grid atual. E Maranello pode até discordar, mas é Vettel quem precisa liderar essa equipe. E se souberem ouvi-lo, a chance de reduzir esse déficit de performance ganha força.

Só que também cabe a Seb apurar esses instintos. E evitar erros primários como o que cometeu na dividida com Alex Albon na parte final da corrida húngara. Ainda que tenha vivido temporadas irregulares nos últimos anos, Vettel não deixou de ser um piloto rápido e conhecedor do carro que pilota e o que isso significa. Afinal, ele soube colocar a Ferrari no trilho das vitórias. Teve atuações importantes e chegou a ameaçar a Mercedes e Hamilton, especialmente em 2018. Então, há um jeito. Talvez tenha de ir buscar aquele cara que estreou na Ferrari há seis anos, reconhecer aquele comprometimento, para, enfim, terminar essa história mais perto do que representa aquelas quatro taças do mundo que tem em casa.

Às vezes, um carro ruim é o que basta. E a chance está aí.

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