Grande dentro e fora da pista, Vettel vive redenção em ano de calvário e injustiças

Sebastian Vettel foi desrespeitado e tratado como um qualquer na Ferrari ao longo de 2020. Assinou contrato com a Aston Martin e se prepara para viver um novo tempo no ano que vem. Mas o tetracampeão precisava de um alento antes de fechar seu ciclo em Maranello. A redenção com o pódio em Istambul tornou-se ainda maior com a grandeza do gesto ao reconhecer Lewis Hamilton como o “maior piloto da nossa era”

Em qualquer uma das principais estatísticas de performance da história do Mundial de Fórmula 1 — títulos, vitórias, poles e pódios —, lá está o nome de Sebastian Vettel, sempre com um lugar entre os maiores de todos os tempos. O mais jovem campeão da principal categoria do esporte a motor tem um currículo invejável: 53 vitórias, 57 poles, 121 pódios e quatro títulos mundiais ao longo de 254 GPs disputados. Com um histórico tão laureado, o piloto, hoje com 33 anos, merece ser reverenciado por gerações, mas não é o que acontece neste ano que marca o fim do seu ciclo na Ferrari.

Em maio, antes mesmo do início de uma temporada 2020 adiada em razão da pandemia, Vettel foi humilhado ao receber a notícia da sua não-renovação de contrato, por telefone, em ligação feita por Mattia Binotto. Ao longo do campeonato, várias foram as vezes em que Seb ficou sem ter um carro verdadeiramente competitivo às mãos, enquanto Charles Leclerc, o novo queridinho de Maranello, ia além das expectativas em um ano excepcionalmente difícil — graças à ruindade da SF1000 — e beliscava um pódio aqui e ali.

Em Portugal, depois de desabafar e mostrar exaustão na esteira de outra jornada difícil, foi criticado pelo ainda chefe: “Espero mais do segundo piloto”.

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Sebastian Vettel de volta ao pódio, e logo com Mattia Binotto ausente (Foto: Ferrari)

Pode-se discutir — e concordar — que Vettel há algum tempo não vive a melhor fase da carreira, bem longe do brilhantismo dos anos dourados com a Red Bull no começo da década —; faz sentido que uma equipe como a Ferrari priorize quem foi o escolhido para ser o seu #1 no presente e no futuro. Mas é desrespeitoso com um piloto da envergadura de Vettel ser tratado como um ‘perna de grilo’ qualquer. Faltou à lendária escuderia italiana o respeito pela liturgia em torno do que o alemão de Heppenheim conquistou na sua trajetória.

Vettel nunca deixou de amar o esporte, mas obviamente se entristeceu por não sentir mais amado naquele ambiente onde era desejado, cortejado e tratado como um grande até pouco tempo atrás. Foi em busca, claro, de um carro competitivo e de uma estrutura que possa fazê-lo voltar a viver bons momentos que Seb aceitou o convite da milionária Aston Martin para substituir Sergio Pérez no ano que vem, mas claro que também contou muito nesta futura mudança de ares o fator sentimental. Quem gosta de trabalhar num ambiente onde não é querido e é até humilhado, sobretudo pelo seu chefe?

Praticamente a temporada toda de Vettel foi de explicações sobre a falta de performance, os erros, as dez eliminações consecutivas nos treinos classificatórios antes do Q3 — a última vez do tetracampeão no top-10 do grid foi no distante GP da Inglaterra, em 2 de agosto. O calvário de Seb parecia encaminhado para terminar somente em 13 de dezembro com o desfecho do campeonato em Yas Marina.

Mas quatro semanas antes de se despedir de Maranello, Vettel encontrou a redenção. Não foi uma redenção qualquer, mas sim à altura de um tetracampeão do mundo. Na Turquia, o dono do carro #5 da Ferrari foi muito além da esfera esportiva para mostrar que um grande campeão não é feito somente de resultados acima da média. Seb mostrou, no último fim de semana, que é um grande campeão da vida.

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Sebastian Vettel marca posição a favor da diversidade e contra o preconceito (Foto: Scuderia Ferrari)

Sebastian começou sua trajetória do lado asiático do Estreito de Bósforo com uma ação importante e que marca sua posição em meio a um esporte que ainda carrega muitos traços do preconceito. Desde sexta-feira, Vettel usou seu capacete com pintura especial: as listras das cores amarela, vermelha e preta da bandeira alemã deram lugar ao arco-íris, símbolo do movimento LGBTQIA+ e também da diversidade e pavilhão contra a homofobia. Foi um grande ato de coragem, ainda mais em um país governado pelo autoritário Recep Erdoğan.

Num fim de semana de condições atípicas por conta do novo asfalto turco, muitos pilotos sofreram para completar voltas sem rodar. Mesmo assim, Vettel sobressaiu e se mostrou como um dos melhores para andar nos três treinos livres e também no Q1 da classificação na lista dos dez primeiros. No Q2, contudo, a realidade se fez presente novamente, e Seb amargou uma nova eliminação antes da decisão da pole, mas garantiu um lugar no grid em 11º, à frente de Charles Leclerc.

Mas o melhor estava por vir. Mesmo com a pista bem molhada para a corrida e com a visibilidade totalmente comprometida, Vettel fez uma das melhores primeiras voltas de toda a temporada ao pular de 11º para terceiro usando pneus de chuva extrema. Ao longo da prova, o tetracampeão se manteve entre os primeiros colocados e travou um outrora impensável duelo com Lewis Hamilton, com o piloto da Mercedes levando a melhor.

Sebastian Vettel fez uma corrida aguerrida em Istambul (Foto: Beto Issa)

Depois dos stints com os pneus intermediários, Vettel permanecia forte e tinha ali, em Istambul, a chance de fechar seu melhor fim de semana no ano. Por 14 voltas, o alemão estava na quarta posição, atrás de Hamilton — com a vitória e o hepta nas mãos —, Sergio Pérez e Leclerc.

Lewis, com ritmo de corrida impressionante e com os pneus carecas, surpreendeu ao sustentar o carro na pista e abrir mão de um eventual novo pit-stop. Pérez enfrentou muitas dificuldades para encontrar o melhor equilíbrio da sua ‘Mercedes rosa’ e lutava para não errar. Mas o rendimento dos pneus caiu bruscamente nas voltas finais.

SEBASTIAN VETTEL; SERGIO PÉREZ; FERRARI; GP DA TURQUIA;
Sebastian Vettel cruzou a linha de chegada em Istambul muito perto de Sergio Pérez, o segundo colocado (Foto: Racing Point)

No giro derradeiro, o mexicano foi ultrapassado por Leclerc, mas o monegasco cometeu um erro. Ironia do destino, Charles perdeu o segundo lugar para ‘Checo’ e também o terceiro, para seu companheiro de equipe. Ao fim de 58 voltas, Vettel foi brindado com um pódio surpreendente em um momento de magia da Fórmula 1. Uma conquista que mostrou que o Vettel forte, competitivo e tetracampeão do mundo ainda está lá. Detalhe: e sem o chefe Binotto no pit-lane de Istambul.

A cena ainda está na retina. Vettel parou sua Ferrari no pit-lane e foi o primeiro a cumprimentar Hamilton pela façanha que o novo heptacampeão do mundo acabara de alcançar. Não foi um mero cumprimento protocolar, mas foi uma saudação sincera e emotiva àquele que é hoje o mais importante atleta do esporte mundial. Com uma atitude que demonstra novamente sua grandeza, o alemão afirmou: “Ele é o maior piloto da nossa era”. São palavras que têm um peso enorme porque vêm de alguém que dividiu com Hamilton o protagonismo ao longo da última década.

Em um universo historicamente caracterizado pelo egocentrismo, vaidade, toxidade e até crueldade como é o da Fórmula 1, Vettel foi gigante ao mostrar ao mundo sua humildade e reconhecer os méritos de quem assumiu seu lugar como aquele que viria a quebrar os recordes do compatriota Michael Schumacher.

Com grandeza de caráter e honradez, Vettel reverenciou o amigo, reconheceu seus feitos e coroou da melhor forma uma conquista marcante em meio a um ano tão difícil.

Uma das imagens do ano: Sebastian Vettel foi o primeiro piloto a cumprimentar Lewis Hamilton pelo hepta da Fórmula 1 (Foto: Beto Issa)

Ex-rival, colega de trabalho e primeiro a se solidarizar ao gesto de protesto protagonizado por Hamilton em luta contra o racismo, Vettel estava lado a lado no pódio do GP da Turquia com o amigo no momento da consagração maior de Hamilton. Um abraço de 11 títulos mundiais e um significado que vai muito além do esporte: é possível ser um piloto consagrado, muitas vezes vencedor e campeão, e ainda assim manter na sua essência a simplicidade, a humildade e a hombridade, comuns a grandes seres humanos.

E é disso que se trata: Sebastian Vettel, muito além de ser um extraordinário piloto, dos maiores de todos os tempos, é também um enorme ser humano.

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