Mercedes naufraga por própria culpa e tem escolha difícil: abandonar ou não F1 2023

A Mercedes insistiu no design do ‘zeropod’ no carro de 2023 e, apesar de ter promovido mudanças importantes, não foi capaz de sair do lugar com o W14. Agora, a equipe mais vitoriosa da era híbrida precisa tomar uma decisão importante ou corre o risco de sucumbir

Os dias que se sucedem ao GP do Bahrein têm sido importantes para entender o tamanho do problema que a Mercedes tem pela frente, na tentativa de retomar as rédeas de seu destino na Fórmula 1. A equipe oito vezes campeã do mundo atravessa um momento delicado – até mais do que em 2022, quando tudo era ainda muito experimental. O caso é que, agora, a esquadra alemã parece ter plena consciência de que tomou mesmo um caminho equivocado com o malogrado W14 e que terá de pagar um preço alto por isso.

Ainda que tenha dado alguns passos fundamentais à frente na segunda parte do campeonato passado, a Mercedes voltou à estaca zero em 2023. Quer dizer, a expectativa girava em torno da possibilidade de uma disputa maior contra Ferrari e Red Bull. Só que o se viu na primeira etapa da temporada foi um fracasso: além da extrema desvantagem em performance, a equipe deixou Sakhir como a quarta força do grid, atrás não só das duas rivais frequentes, mas também de uma inesperada Aston Martin. E isso levou a uma série de questões envolvendo as escolhas feitas pelos engenheiros no desenvolvimento do novo projeto, que tem muito do design explorado em 2022.  

“Trabalhamos muito no ano passado para procurar outros tipos de soluções. Mas continuamos com esse conceito porque é o que mais nos favorece. É a solução certa a longo prazo? Nós vamos descobrir”, disse Mike Elliott, diretor-técnico da Mercedes e responsável pelo projeto do W14. A resposta talvez tenha sido mais rápida do que se esperava. E não foi aquilo que se imaginava.

É bem verdade que a engenharia em Brackley foi capaz de anular o irritante porpoising e de criar elementos diferentes na tentativa de melhorar o fluxo de ar dentro do conceito do efeito solo. Ou seja, o trabalho no assoalho foi grande, porque acaba sendo fundamental na procura por downforce. Há pontos positivos ainda: o time conseguiu aprimorar a unidade de potência, a tração e toda a parte traseira. Porém, a equipe da estrela de três pontas se depara com um carro de comportamento esquisito e de difícil entendimento.

O projeto insistiu na filosofia dos sidepods zero em um perfil também muito estreito – é o design que não se parece com nada que é feito pelas demais equipes. E ainda que tenha feito um trabalho exemplar para minimizar os saltos, a Mercedes perdeu rendimento, apresentou um ritmo de classificação e corrida empobrecido e frágil, além de uma degradação assustadora. Depois de largar em sétimo, Lewis Hamilton terminou a corrida na quinta posição, mais de 50s atrás do vencedor Max Verstappen. George Russell chegou duas colocações pior.

Chefão da Mercedes, Toto Wolff esbravejou e disse “não havia nada de bom para tirar da etapa do Bahrein”. Isso aconteceu porque praticamente nada funcionou como o planejado – e boa parte dos problemas está, sim, nos conceitos adotados pelo time alemão.

“Em última análise, temos muito trabalho a fazer”, admitiu Andrew Shovlin, o engenheiro de pista da Mercedes. “A diferença na classificação foi muito grande, ficamos mais de meio segundo para quem estava na frente. E isso foi ainda maior na corrida”, completou.

“Também, foi agravado pelo fato de que quando há uma degradação de pneu, você escorrega um pouco mais, os pneus esquentam demais e você acaba achando muito difícil mantê-los sob qualquer tipo de controle. Há muito que precisamos entender, mas o principal é realmente superar essa degradação em ritmo de corrida, que no ano passado foi um ponto forte para nós.”

Mercedes assumiu que o ritmo é um problema no Bahrein (Foto: Mercedes)

“Claramente, temos algo que não está no lugar certo e precisamos trabalhar, mas, no fim das contas, existe também a diferença para os rivais da frente. O ritmo bruto do carro não é bom o suficiente. Estamos trabalhando muito no momento para entender o que podemos fazer no futuro de curto e médio prazo para tentar nos colocar em um lugar melhor”, reconheceu Shovlin.

A distância para as rivais pode ser explicada também pela falta de carga aerodinâmica nas curvas de média e alta velocidade, especialmente. Houve uma queda de performance motivada pela configuração das asas, além do desgaste dos pneus. Portanto, são pontos importantes e que vão exigir muito da Mercedes.

E de novo, há um fator fundamental, muito bem definido por Wolff: “O conceito aerodinâmico está intrinsecamente errado.”

O desempenho precário no Bahrein é reflexo disso, assim como as críticas feitas por Hamilton. Ainda que veja alguma luz no fim do túnel, o heptacampeão não deixou de cutucar, afirmando que a equipe não o ouviu em 2022. “Já tive nas mãos carros como esse, especialmente nos dias da McLaren. Não sei quando e como vamos conseguir mudar as coisas. Mas vai ter de acontecer”, falou o piloto inglês.  

“No ano passado, eu disse algumas coisas, falei sobre alguns problemas que o carro tinha. Já pilotei muitos carros na minha vida. Então, sei o que um carro precisa e sei do que não preciso. Eu preciso de um carro… E acho que é uma questão de responsabilidade. Trata-se de admitir sua responsabilidade e dizer: ‘Sim, quer saber? Não ouvimos você’. Não é como costumava ser. E temos de trabalhar”, completou.

É claro que uma declaração dessa cai como uma bomba e aumenta a pressão. Daí não é difícil de imaginar que já exista um trabalho em cima até mesmo de uma mudança radical. Fala-se também em um ultimato a Elliott, além de uma supervisão especial de James Allison ao pacote de atualizações que está programado para Ímola, em meados de maio.

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E é aí que está o problema da Mercedes: há uma decisão importante a ser tomada agora. Ou a equipe foca realmente em uma alteração sólida, talvez uma versão B do W14 – algo certeiro, semelhante às soluções de suas rivais, como disse Wolff, por exemplo. Ou concentra todos os esforços em 2024 e abandona o campeonato atual.

A Mercedes corre contra o tempo, contra as restrições impostas pelo limite de gastos e até contra sua própria identidade. E tudo por própria culpa.

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