Imprudência ou negligência? Caso Marc Márquez vira novela e ameaça até 2021

Um erro na condução da fratura do úmero direito acabou tirando o piloto da Honda de toda a temporada 2020 da MotoGP. Depois de três cirurgias e uma infecção, até mesmo a campanha do próximo ano está em risco

Imprudência de Marc Márquez ou negligência médica? Qual dos dois cenários tirou de combate em 2020 o hexacampeão da MotoGP? Ao que tudo indica, parece que cada um contribuiu com um quinhão.

O piloto da Honda quebrou o braço direito ainda na primeira etapa da temporada, o GP da Espanha. Depois do acidente em Jerez, o espanhol foi submetido a uma cirurgia para estabilizar o úmero direito, com a colocação de uma placa de titânio e parafusos. Ainda no hospital, porém, Marc começou a fazer flexões, planejando voltar às pistas menos de uma semana depois do acidente.

Por incrível que pareça, o mais velho dos irmãos Márquez não só deu conta de fazer o teste físico necessário para poder correr, mas também acabou liberado pelos médicos para tentar a sorte no GP da Andaluzia. Marc não conseguiu correr e entregou os pontos antes mesmo da classificação, mas a tentativa, sucedida por exercícios físicos envolvendo o uso de carga cobraram um preço: a placa de titânio acabou partida, o que forçou uma segunda cirurgia.

Equipe médica da MotoGP deu aval para Marc Márquez tentar correr em Andaluzia (Foto: Reprodução)

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Assim como na primeira intervenção, o trabalho foi feito pelo Dr. Xavier Mir, um habitué do paddock da MotoGP. Desta vez, porém, o prazo de recuperação foi bastante maior, o que deixou Marc de molho por toda a temporada.

Contudo, o que no início parecia apenas prudência, acabou se revelando um problema. Na quinta-feira, a Honda confirmou que o campeão de 2013, 14, 16, 17, 18 e 19 da MotoGP passou por uma terceira intervenção, que foi mais complicada que as anteriores, já que exigiu um enxerto ósseo. E, como tudo em 2020, o caso ficou ainda pior, já que a cultura realizada durante a cirurgia revelou uma infecção no osso, o que pode, inclusive, retardar ainda mais o processo de recuperação.

Assim como Alberto Puig já tinha feito mais cedo, Márquez também jogou a culpa no colo dos médicos. O piloto alega não ter sido informado que a placa poderia sofrer danos por causa do esforço e entende que deveria ter sido impedido pelos médicos.

E aqui é preciso apontar algumas coisas. Márquez não foi operado por um charlatão qualquer. O Dr. Mir é um dos mais respeitados traumatologistas do paddock. Pelas mãos do espanhol, além do próprio Marc em situações anteriores, já passaram nomes como Pol Espargaró, Jorge Lorenzo e Stefan Bradl, por exemplo.

Desde 2012, Mir faz parte da equipe médica da MotoGP e já foi listado entre os dez melhores médicos da Espanha na publicação cientifica The Lancet. Ou seja: Mir não é um carniceiro, mas um profissional respeitado.

Antes mesmo da primeira cirurgia, o Dr. Xavier deixou claro que Marc não iria correr na Andaluzia, podendo voltar apenas em Brno. “Será baixa em Jerez e o objetivo é que ele possa voltar em Brno”, disse na época, reforçando que era “uma lesão de certa importância”.

Depois da cirurgia, Mir sequer confirmou retorno em Brno, terceira etapa do calendário, se limitando a dizer que a porta estava “entreaberta”.

De repente, porém, Marc apareceu em Jerez disposto a tentar correr o GP da Andaluzia. Submetido a um extenuante teste físico, conseguiu a aprovação de que precisava e subiu na moto no sábado, para o TL3. Na hora do Q1, deu só um giro antes de entregar os pontos.

Nos dias que se seguiram, Márquez mostrou nas redes sociais que continuava com os treinos físicos, forçando o braço recém-operado. Não deu outra: a placa foi danificada, o que exigiu uma nova cirurgia.

Desde o início, a equipe de Márquez alega que o piloto seguiu as orientações médicas. Puig, chefe da Honda, chegou a afirmar que os médicos “em nenhum momento, pensaram que esta placa poderia quebrar”.

Isso, contudo, não é exatamente ciência espacial. Marc e a Honda podiam até não saber que o excesso de esforço poderia danificar a placa, mas o risco era conhecido por todos, até pelo histórico recente da MotoGP. Anos antes, Jorge Lorenzo bancou o super-herói e correu em Assen 30 horas após operar a clavícula. Na semana seguinte, em Sachsenring, o então piloto da Yamaha levou um tombo, entortou a placa e precisou de uma nova cirurgia. E todo mundo lembra disso.

Ou seja: mesmo que não fosse pelo esforço, Marc estava arriscando precisar de uma nova cirurgia. Afinal, ele poderia ter caído da mesma forma que caiu no GP da Espanha. O que significa que ele também tem uma parcela de responsabilidade no destrambelhado retorno. E não sozinho. A Honda também participou disso aí.

Marc, porém, tem razão quando diz que os médicos têm de chamar os pilotos à realidade. Conhecendo o irmão de Álex, não era exatamente surpreendente que ele quisesse voltar imediatamente. Alguém deveria ter sido o adulto responsável. Apesar de já ter se mostrando brilhante, Marc é um gênio nas pistas, mas não tem um diploma de medicina. Xavier deveria tê-lo parado.

O erro, porém, não foi só de Mir. O Dr. Ángel Charte, diretor-médico da MotoGP, foi quem conduziu a avaliação em Andaluzia. Foi ele quem acompanhou as 20 flexões no chão e outras 20 na parede. Foi Charte quem declarou Márquez apto a correr. E ele também poderia tê-lo impedido.

Na sequência dos treinos, todavia, a responsabilidade volta para as mãos de Mir.

Não foi a primeira vez que um piloto foi imprudente e negligenciou a própria saúde para tentar encurtar os prazos de recuperação após lesão. Nós todos estamos acostumados a ver pilotos estropiados querendo correr. Não precisamos nem ir muito longe para buscar um exemplo. Mês passado, em Portimão, Sam Lowes correu com dois dedos quadrados para tentar o título da Moto2.

Faz parte da natureza do piloto competir contra os próprios limites. E é precisamente nesta hora que alguém precisa chamar para si a responsabilidade e traçar uma linha que não pode ser cruzada. Não fosse a tentativa estabanada para estar em Jerez 2, Marc talvez tivesse voltado em Brno. Não fosse no traçado tcheco, o piloto de 27 anos poderia ter estado na prova da Áustria ou qualquer que fosse a data.

Talvez fosse tarde demais para sonhar com o título. Mas, certamente, teria sido melhor para a saúde dele. E, no fim, é disso que se trata. A saúde e a integridade física dos pilotos estão acima de qualquer coisa. Precisam e devem estar.

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