Antes mesmo de fazer a estreia na
Fórmula 1 como equipe, a Red Bull já apostava em um pioneiro
programa de desenvolvimento de jovens pilotos. A ideia da marca austríaca, claro, foi a de encontrar potenciais vencedores e campeões para a maior das categorias. Ao invés de investir em nomes já consagrados, a esquadra optou por moldar e usar os próprios talentos assim que passou a integrar o grid, em 2005. Um ano depois, a partir do espólio da Minardi, foi criada uma segunda equipe, a Toro Rosso, para abrigar e formar as promessas achadas nos campeonatos de base – expediente pouco comum no Mundial naquela época. Mas que se tornou um dos principais e mais respeitados programas do esporte a motor.
O conselheiro e ex-piloto Helmut Marko foi quem idealizou e é ainda o responsável pelo projeto iniciado em 2001. Ampla e financeiramente sólida, a estrutura montada pelos energéticos descobriu diversos competidores dos mais variados lugares do mundo. Do Brasil, fizeram parte Ricardo Maurício,
Pedro Bianchini e
Sergio Sette Câmara, por exemplo. Com um olhar muito apurado e altamente exigente, Marko encontrou personagens interessantes ao longo do caminho e conseguiu formar um campeão mundial. Mas a mesma velocidade para encontrar talentos foi e é usada para dispensá-los ao menor sinal de fraqueza.
Sebastian Vettel é até hoje o mais bem-sucedido piloto oriundo do programa de jovens da Red Bull (Foto: Red Bull Content Pool)
O primeiro piloto do programa a guiar na Fórmula 1 foi o austríaco Christian Klien, sendo Sebastian Vettel o primeiro a vencer corrida e o primeiro também a levar um campeonato mundial – na verdade, o alemão, hoje defendendo as cores da Ferrari, conquistou quatro títulos com a Red Bull. É até hoje o competidor de maior sucesso oriundo do projeto, que tem Max Verstappen como a principal estrela atualmente.
Só que, apesar de toda a excelência, o programa também é
conhecido pela extrema pressão, cobrança e pouquíssima paciência de Marko. O consultor da Red Bull trata seus comandados com rigor e exige resultados quase que imediatos, demonstrando também tolerância quase zero com erros, e isso alcança tanto os jovens que estão tentando chegar à F1, como aqueles que já são titulares, seja na equipe-mãe, seja na Toro Rosso. Por isso, ao longo dos anos, muitos jovens foram ficando pelo caminho, abandonando por conta própria ou dispensados mesmo, como um rolo compressor. Até o momento, apenas três atletas passaram ilesos e com louvor pelo crivo do dr. Helmut Marko: além de Vettel e Verstappen, Daniel Ricciardo também teve uma passagem bem-sucedida pela Red Bull – hoje ele defende a Renault. Mas isso tudo em um universo de mais de 70 pilotos.
Daniel Ricciardo trocou a Red Bull e pela Renault e deixou um buraco no esquema da marca austríaca (Foto: Renault)
Quer dizer, por causa do modo severo de chefiar o programa, a marca de Dietrich Mateschitz se viu em apuros nos últimos anos com uma significativa redução no número de pilotos. Imediatistas, Marko e a Red Bull ‘queimaram’ diversos nomes que depois se revelaram grandes pilotos, mas que não tiveram tempo de mostrar na F1, como foram os casos de Sébastien Buemi, campeão no WEC e na FE, e Jean-Éric Vergne, hoje bicampeão da FE – ambos tiveram passagens curtas pelas garagens taurinas.
É como um ciclo sem fim.
E pegando um gancho na mais recente decisão controversa dos energéticos, o GRANDE PRÊMIO relembra como age o programa e como se tornou um verdadeiro ‘moedor de carne’, ao abreviar carreiras na Fórmula 1, diante do rigor e da impaciência de sua cúpula. Importante dizer que todas as manobras caminham de forma paralela entre as duas equipes da marca austríaca.
Christian Klien foi o primeiro piloto do programa da Red Bull a correr na F1 (Foto: Red Bull Content Pool)
Lá no começo da disputa na F1, em 2005, a Red Bull contava com a experiência de David Coulthard e a
juventude de Christian Klien, oriundo do trabalho de desenvolvimento de Marko. Na reserva, Vitantonio Liuzzi. Só que Klien não sobreviveu muito após um ano bem difícil de estreia. Em 2006, com três etapas para o fim da segunda temporada da equipe no Mundial, o austríaco foi trocado, de forma paliativa, pelo holandês Robert Doornbos. Enquanto isso, a Toro Rosso disputava seu primeiro campeonato com Liuzzi e o jovem americano Scott Speed, fazendo valer, então, o objetivo de formar jovens pilotos.
2007 já foi uma temporada para se estabelecer, então Mark Webber assumiu o lugar de Doornbos na dupla com Coulthard no time A. Já na equipe B, Speed não correspondia a contento e acabou como a segunda vítima do sistema: depois de somente dez provas, foi substituído por ninguém menos que Sebastian Vettel – o alemão já impressionava e havia feito a estreia cinco corridas antes, com a BMW Sauber, no GP dos EUA, depois do grave acidente sofrido por Robert Kubica no Canadá.
Assim, Vettel e Liuzzi completaram aquela temporada com a Toro Rosso. No ano seguinte, o italiano seria sacado para dar lugar ao respeitado tetracampeão da Champ Car, Sébastien Bourdais. Os dois Sebs terminaram aquele campeonato, mas o mais jovem brilhou forte: a pole e a vitória com o carro da equipe de Faenza em pleno GP da Itália, com chuva, ofuscou qualquer outro desempenho da esquadra e rendeu, merecidamente, a vaga na Red Bull em 2009.
Coulthard também decidira parar ao fim de 2008, e a equipe chefiada por Christian Horner passou a ter então uma dupla de peso com o experiente Webber e o jovem prodígio Vettel. Enquanto isso, a Toro Rosso seguia seu trabalho com os novatos: dentro desse cenário, Marko chamou outro Sébastien, o Buemi, para a estreia na F1 ao lado do xará Bourdais. Só que o francês seguia com desempenho irregular e não demorou muito para a paciência do time se esgotar, apesar do carro pouco competitivo, que não se parecia mais com o da irmã mais velha, graças às mudanças de regulamento. Ainda assim, a Red Bull optou por tirar o gaulês e chamar o espanhol Jaime Alguersuari, que chegava com fama de piloto muito rápido e campeão da F3 Inglesa.
Mesmo sem ter tido uma segunda chance na Red Bull, Sébastien Buemi segue ligado à marca (Foto: Red Bull Content Pool)
Enquanto a esquadra principal se fortalecia e vencia com Vettel e Webber – dominando já a F1 -, Alguersuari e Buemi ganhavam uma nova chance. A dupla ficou junta até o fim da temporada 2011, quando a presença de um jovem australiano começou a incomodar. Marko tinha tanta confiança em Ricciardo, que o tirou da então World Series e o fez estrear na F1 pela pequena HRT no GP da Inglaterra daquele 2011. E não deu outra: mesmo com um campeonato sólido, o espanhol e o suíço foram dispensados sem cerimônia para 2012. Daniel, então, foi promovido a titular na Toro Rosso, ao lado do novato Jean-Éric Vergne, também membro do programa e que havia recém-conquistado o vice-campeonato da World Series. Enquanto isso, a Red Bull enfileirava títulos com Vettel.
Ricciardo e Vergne permaneceram juntos por duas temporadas, 2012 e 2013. Até que chegou a grande chance de Daniel. Com a enfim aposentadoria de Webber, a Red Bull abriu um lugar dos mais cobiçados. E Ricciardo foi premiado em 2014. Para o lugar dele na Toro Rosso, Marko escolheu um outro jovem que também estava no programa: Daniil Kvyat. O russo havia acabado de vencer e dominar a GP3.
Foi praticamente com a vinda de Kvyat que os energéticos passaram a viver temporadas mais intensas, marcadas por constantes mudanças e pouca tolerância do conselheiro da Red Bull. Neste meio tempo, foi quando se ouviu falar de Max Verstappen. O veloz filho de Jos impressionou os homens da Red Bull e rapidamente ingressou no programa, fazendo sombra sob os titulares. A estreia na F1 foi meteórica, já em 2015, aos 17 anos. Junto com o holandês, Marko trouxe também Carlos Sainz, filho do multicampeão do rali e campeão da World Series. A opção pela novata dupla fez a Red Bull dispensar Vergne sem grandes explicações. Kvyat teve mais sorte e foi alçado ao time principal, que perdera sua maior estrela: naquela temporada, Vettel decidira deixar os taurinos para correr pela mais icônica equipe do grid, a Ferrari.
Daniil Kvyat foi dispensado duas vezes, mas ganhou uma rara terceira oportunidade: fruto da inconsistência do programa da Red Bull (Foto: Getty Images/Red Bull Content Pool)
Portanto, Ricciardo ganhava a companhia de Kvyat, mas nada que incomodasse muito, ainda que o russo tenha ido bem na pontuação. Já Verstappen e Sainz travaram belos duelos e tiveram boas performances na Toro Rosso. Apesar de tudo, Kvyat conseguiu se garantir para 2016. Só que um erro na corrida caseira, na Rússia, em cima de Vettel pôs tudo a perder. Daniil acabou rebaixado pela Red Bull, que enfim tinha a chance de tornar Max titular na equipe principal.
Verstappen venceu de cara, aproveitando uma batida entre os dominantes carros da Mercedes na Espanha. Aguentou a pressão de Kimi Räikkönen e deixou um belo cartão de visitas. A realidade é que Marko acertara ao promover o agressivo piloto do carro #33, mas não pode evitar o trauma para Kvyat, que demorou – anos – para absorver o golpe.
No campeonato seguinte, em 2017, a Toro Rosso viveu um ano dos mais malucos: começou com Sainz e Kvyat, mas terminou com Gasly e Brendon Hartley (!). O russo teve um campeonato oscilante e cometeu erros demais. Resultado: acabou fora e sendo substituído por Pierre, que havia sido campeão da GP2 um ano antes e estava brilhando no Japão. Já Sainz deixou a equipe por empréstimo também no fim da temporada – o rolo que envolveu a saída da Honda da McLaren e o vínculo da montadora japonesa com a Red Bull levou o espanhol para a Renault – que passaria a entregar as unidades de potência à equipe inglesa. Para o lugar de Carlos, os austríacos foram buscar Hartley, antigo membro do programa e que já havia direcionado a carreira para o endurance, onde foi campeão, inclusive.
Pierre Gasly, a vítima mais recente (Foto: Getty Images/Red Bull Content Pool)
Apesar do desempenho irregular na parte final de 2017, Galsy e Hartley conseguiram garantir um lugar na Toro Rosso para o ano seguinte, quando Pierre sobrou em cima de Brendon e impressionou com um carro bastante mediano. Mas aí Marko foi implacável, mesmo sem opções. Pierre, mesmo a contragosto do chefão, subiu para a Red Bull. O neozelandês, por outro lado, não teve o mesmo destino, sendo dispensado.
A meia temporada de Gasly foi complicada, marcada pela difícil concorrência com Verstappen e com as dificuldades de adaptação ao carro. O francês passou a ser duramente criticado pela cúpula da Red Bull e acabou por sucumbir ao facão dos energéticos, virando a vítima mais recente do duro sistema imediatista dos taurinos. E a bola da vez agora é o jovem Albon.