“A última coisa que o brasileiro queria ouvir era a morte de Senna”, lembra Nilson César

Nilson César narrou o GP de San Marino pela Rádio Jovem Pan e compartilhou com a revista Warm Up, na ocasião dos 20 anos da morte de Ayrton Senna, o impacto que a perda do piloto causou para o torcedor

“Nós falamos com o Ayrton na sexta-feira. E a última pergunta dessa entrevista coletiva foi minha — o ‘Cartão Verde’, da Cultura, à época, reproduziu esta entrevista. ‘Ayrton, os carros sem controle de tração, os pneus cada vez mais estreitos e os motores cada vez mais possantes: a morte está cada vez mais perto da F1?’”. O questionamento foi feito por Nilson César, narrador da Rádio Jovem Pan, uma pergunta que ele mesmo admitiu anos depois, à revista Warm Up, que não sabia exatamente a razão, mas que teve curiosidade em ouvir o ponto de vista de Senna.

A sexta-feira em Ímola não foi tão pesada quanto o resto do final de semana, mas o fortíssimo acidente de Rubens Barrichello trouxe à tona preocupação com a segurança. “Não, a F1 é um esporte de risco, todos que estão aqui sabem que corremos risco mesmo, temos de lutar por mais segurança”, disse Senna ao jornalista.

Só que a atmosfera era, de fato, diferente, como Nilson recorda. A morte de Roland Ratzenberger no sábado pesou ainda mais, porém a programação do final de semana continuou. Veio, então, o GP de San Marino, e outro acidente ainda na largada, entre Pedro Lamy e JJ Lehto.

“Tudo conspirava de maneira errada. Aliás, foi um fim de semana só de hospital. Senti, sim, algo estranho. Foi engraçado, por assim dizer. Eu já tava bem rodado na F1, na minha oitava temporada cobrindo as corridas aqui na rádio Jovem Pan, acostumado. Já tinha visto outros acidentes, mas aquele clima e aquele ambiente, todos que estavam no autódromo e tinham um pouquinho mais de sensibilidade, conseguiam sentir”, continuou.

Senna liderou a prova até o acidente fatal na sétima volta (Foto: Forix)

Na ocasião, Flavio Gomes, fundador do GRANDE PRÊMIO, era o comentarista da corrida. Nilson lembra que, no momento da batida de Senna na Tamburello, soltou uma expressão de choque. “Meu Deus, minha nossa senhora!”. Era possível sentir, nas palavras do narrador, que “algo muito mais grave estava acontecendo desde o instante que bateu”.

Após pegar o carro e se dirigir para o Hospital Maggiore, em Bolonha, Nilson ouviu da médica que o coração de Senna ainda batia, mas o piloto havia chegado “destruído”. “Ela dizia que ele ainda estava vivo, mas assegurava que em quatro ou cinco horas ele iria morrer, porque não tinha mais o que fazer — talvez ele já tivesse chegado com morte cerebral. Acontece que a resistência desse rapaz era tão grande, ele era tão forte, que o coração continuou batendo. A médica tinha de esperar o coração parar de bater para constatar a morte do Ayrton.”

“A tristeza foi imensa. Eu não conseguia dormir de madrugada. Fui com o Luis Roberto de Múcio — a gente ficou no Hotel Internazionale — em Milão, ao lado do IML. De madrugada, fomos ao IML, e lá estavam os corpos do Ayrton e do Ratzenberger. Claro que não vimos os corpos, mas estavam lá. Lembro até do nome do guarda, Paolo, torcedor da Juventus. Na época tinha um brasileiro na Juventus, o Júlio César. Pois o Paolo queria mudar o assunto, falava de futebol e a gente sem clima. Nós só fomos pro IML de madrugada porque não conseguíamos dormir. Parece que o Celso Itiberê, que tava no ‘O Globo’, também estava lá. Éramos nós três. E vimos aquilo tudo, o prédio antigo, aquela coisa sombria, o vazio imenso, o vazio que só ficou maior na corrida seguinte”, relatou.

A corrida seguinte à morte de Senna aconteceu justamente em Mônaco, a pista onde Ayrton triunfou por seis vezes em toda a carreira na Fórmula 1. O vazio sem o brasileiro nas ruas de Monte Carlo trouxe um pesar enorme a todos que ali estavam para acompanhar a etapa. Era o mesmo sentimento da perda “de um membro da família”.

“Demorou um tempão para cair a ficha, se acostumar à F1 sem o Senna, e teve um acidente muito violento em Monte Carlo. Ficou um vazio tão grande que o brasileiro, 20 anos depois da morte do Senna, não conseguiu redescobrir a paixão pela F1. É um país de monocultura, os outros esportes são sazonais, só são fortes quando algum brasileiro se destaca. Quer ver o brasileiro voltar a ter paixão pela F1? Só vai acontecer quando tiver algum piloto brasileiro vencendo corridas. Enquanto não tiver, só vai acompanhar aquele que realmente gosta de automobilismo; a grande massa só vai ficar sabendo dos resultados. Esse foi o preço que o Brasil pagou por não ter outro grande piloto depois do Senna”, afirmou.

“Aquele episódio me marcou muito. Eu costumo brincar, quando dou palestras em faculdades, que aquele final de semana me representou algumas faculdades. Foi marcante: nós participamos de um momento histórico para o país, ninguém queria que isto tivesse ocorrido; a última coisa que o brasileiro queria ouvir é que o Senna tinha morrido. Aquilo me trouxe uma maturidade profissional muito grande. Na época eu tinha 33 anos, 12 anos de Jovem Pan e oito na F1. Só aquela cobertura daquele final de semana representou algo como se tivesse ganho uma bagagem daqueles oito anos de F1. No mínimo, multiplicou a minha experiência em coberturas jornalísticas”, concluiu Nilson.

Nos 30 anos da morte de Ayrton Senna, o GRANDE PRÊMIO resgata depoimentos dados à revista Warm Up de diversas personalidades da F1 que fizeram parte da vida do brasileiro.

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