Guia Fórmula E 2023: Sette Câmara celebra revolução e “estresse” que espera do Gen3

Em entrevista exclusiva concedida ao GRANDE PRÊMIO, Sérgio Sette Câmara abordou o que esperar da Era Gen3 da Fórmula E, que se inicia em 2023, passando pelos problemas de confiabilidade, as possíveis mudanças na ordem de forças e mais ultrapassagens nas corridas

A temporada 2022/23 da Fórmula E promete trazer uma repaginada completa à categoria elétrica, que vai abrir o ano até com uma identidade visual renovada. Além daquilo que acontece fora das pistas, a principal novidade fica mesmo por conta do carro Gen3, que foi à pista nos primeiros testes oficiais de pré-temporada e será o grande destaque da abertura do campeonato, no dia 14 de janeiro.

E como forma de preparação para o guia da temporada que vem pela frente, cheia de novidades e ainda tomada por dúvidas, o GRANDE PRÊMIO preparou uma entrevista exclusiva com um dos integrantes do grid no ano que vem: o brasileiro Sérgio Sette Câmara, companheiro de Dan Ticktum na NIO e responsável pelos únicos pontos da Dragon no campeonato de 2022.

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Sette Câmara realizou os primeiros testes com o Gen3 ainda antes da pré-temporada, sem a pintura oficial da NIO (Foto: NIO)

Preparado para a mudança profunda de regulamento que a Fórmula E irá passar no ano que vem, Sette Câmara analisou as possibilidades de uma mudança na ordem de forças do grid. Na opinião do brasileiro, é possível que algumas equipes errem e percam terreno, ainda que os times de ponta tenham a tendência de se manter à frente. Como exemplo, Sérgio falou sobre o 2022 da Mercedes na Fórmula 1.

“Sempre que há uma mudança no regulamento, uma mudança relevante, pode criar esses movimentos. De repente, uma equipe que dominava não acerta a mão e passa a virar uma equipe de meio de pelotão. Ou então, uma equipe que estava mais atrás pode se destacar. A gente sempre vê isso quando tem uma nova geração de carros, em qualquer categoria que for. Então, é uma oportunidade para a NIO dar esse passo, de uma equipe de fundo de pelotão — que é o que ela era durante esses últimos anos de Gen2 — para uma equipe intermediária ou até mesmo, quem sabe, uma equipe de ponta”, explicou.

“É lógico que a tendência, por mais que ocorram mudanças, a tendência é de que as equipes com um orçamento maior permaneçam lá na frente. Vou dar um exemplo usando a F1, que provavelmente a maioria das pessoas acompanha um pouco mais do que a Fórmula E: o caso da Mercedes. A F1, do ano de 2021 para 2022, passou por uma mudança muito relevante no regulamento. Então, Ferrari e Red Bull cresceram em termos de competitividade. E a Mercedes, caiu? Sim, mas você vê que eles continuam na lá na frente. Você tem uma alteração nas forças do campeonato, mas cada equipe se mantém mais ou menos no universo onde ela habita”, disse.

Sérgio Sette Câmara se prepara para um novo desafio na NIO em 2023 (Foto: NIO)

Problemas de confiabilidade na nova bateria

A pré-temporada da categoria, realizada entre 13 e 16 de dezembro em Valência, trouxe algumas indicações: Maserati e McLaren, novatas no grid, chegaram com tudo e prometem incomodar, ocupando sempre o topo da tabela de tempos. Por outro lado, diversas equipes sofreram com problemas de confiabilidade, o que vem deixando muitas preocupações no paddock em relação aos novos Gen3.

Na visão de Sette Câmara — que conversou com o GRANDE PRÊMIO antes da pré-temporada acontecer —, é impossível determinar o estágio das equipes antes do início oficial do campeonato. A própria NIO sofreu com problemas no Circuito Ricardo Tormo — assim como a Envision, por exemplo. E o brasileiro afirmou que o período de testes é vital para consertar problemas que não poderão mais ser resolvidos com a temporada em andamento.

“A gente não sabe o que os outros estão fazendo, podem estar andando com o carro acima do peso, sem mostrar todas as cartas — a gente também —, então é complicado de fazer uma avaliação além disso”, disse antes de completar:

“Se você tem muitas falhas e o carro fica parando na pista, você não treina, você não desenvolve, você vai começar muito atrás das demais equipes. E o mesmo, talvez até pior, é quando você tem um problema conceitual, no design do carro, a essa altura do campeonato — tão próximo à janela de homologação —, não dá mais tempo de corrigir”, explicou.

Assim, Sette Câmara explicou que apesar de enxergar a NIO acima da Dragon em termos de estrutura, ainda vê o time chinês com menos recursos do que as concorrentes. Assim, o brasileiro destacou a importância de acertar o conceito do carro de primeira, principalmente para quem não pode gastar dinheiro para voltar atrás.

“A NIO está bem mais próxima das outras equipes [do que a Dragon], mas ela continua sendo menor. Então, a gente não pode se dar ao luxo de errar o conceito do carro, a gente não pode ser igual a uma Porsche, uma Nissan, por exemplo, essas marcas grandes. Elas dizem: “erramos tudo, vamos injetar aqui alguns milhões e refazer”, e a gente não tem isso”, lamentou.

Mecânicos da NIO recolhem carro de Sette Câmara, que também sofreu com a confiabilidade na pré-temporada (Foto: Fórmula E)

Gen2 x Gen3

Sobre as diferenças do carro Gen3 para o Gen2, utilizado até a oitava temporada, Sette Câmara destacou que elas são muitas — da visão de dentro do cockpit até a aceleração. A pré-temporada já deixou claro que o peso dos carros será um fator vital na temporada, já que os monopostos estão consideravelmente mais leves e ariscos. Sérgio explicou a sensação de pilotar o novo conceito pela primeira vez e destacou os desafios que esperam pelos pilotos no campeonato do ano que vem.

“É um carro super estranho de se guiar pela primeira vez. Ele é mais longo, então você está mais longe dos pneus da frente, porque a FIA teve de estender a parte da frente para caber o motor. Quando você senta no carro pela primeira vez, os pneus estão longe — e também é um carro estreito. Então, você olha e é muito estranho, porque parece que você está andando em um daqueles carros de Fórmula 1 antigos, compridos e estreitos. Na primeira vez que entrei no carro, achei super engraçado”, disse.

“Esse carro é muito mais potente, é um absurdo o que ele anda de reta. É muito rápido. Alguns circuitos vão ficar até desproporcionais, a quantidade de potência que a gente tem para o tamanho do circuito. E acho que isso vai ser muito divertido, porque as pessoas vão ter um foguete andando em um mini circuito. A gente vai passar meia volta em aceleração curta, corrigindo, voltando, vai ser um estresse”, analisou.

Carros Gen3 prometem uma nova Era na Fórmula E a partir de 2023 (Foto: Fórmula E)

Sérgio fez questão de explicar o sentimento de pilotar o Gen3, já destacado pelos pilotos do grid como um carro completamente diferente do Gen2. O brasileiro traçou um paralelo na relação potência-aderência do carro e indicou que o monoposto é muito mais inclinado para a velocidade, o que causa uma preocupação constante de perder o controle na pista.

“É muito mais fácil quando o carro tem uma relação entre aderência e potência: quando ele é mais inclinado para a aderência, você sai da curva, bota o pé no fundo e contorna a próxima sequência de curvas — com o pé no fundo —, confiando que o carro vai aguentar. Mas quando a relação é mais inclinada para a potência, parece que você está na chuva o tempo inteiro”, explicou.

“Você tem uma falta de aderência para toda aquela potência. Você passa quase a volta inteira corrigindo o carro, é muito mais estressante, mais difícil de pilotar. Por conta de ter o motor na frente, ou pelos pneus serem mais largos esse ano, o carro é muito mais pesado de guiar. É muito físico mesmo”, destacou.

Novos carros nas mesmas pistas

O fato de ter carros mais velozes e tecnológicos naturalmente atrai mais olhares para a Fórmula E, que busca cada vez mais o reconhecimento de uma categoria de nível mundial junto ao público. No entanto, também traz uma preocupação: como lidar com monopostos consideravelmente mais rápidos — nas mesmas pistas — sem que isso se torne um problema de segurança?

Em uma categoria baseada em circuitos de rua, em que as pistas são absolutamente apertadas e com pouquíssima zona de escape, um acidente na Era Gen2 já era motivo de preocupação. Com o novo patamar de velocidade atingido pelos Gen3, a Fórmula E busca uma maneira de aumentar a segurança nas corridas. Para Sette Câmara, entretanto, o novo sistema tem tudo para funcionar nas pistas já estabelecidas pelo calendário.

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Sujeito à homologação, este é o traçado previsto para o eP de São Paulo, que marca a estreia da Fórmula E no Brasil (Foto: Fórmula E)

“Sobre as pistas, vai depender muito do que a gente quer ser como categoria. Se depender do Sérgio, eu acho que é divertido: se a pista é pequena, é estreita, e a gente quase não consegue fazer a volta direita, eu acho legal. Acho que vai ter muito piloto reclamando, tem uns caras que reclamam de tudo. Tem a questão de segurança, que aí eu vou ter de concordar, mas acho que a assinatura do campeonato são os circuitos de rua”, analisou.

“A Fórmula E apresenta uma rotatividade de circuitos muito grande. Isso impede que eles tenham um acabamento igual ao de Mônaco, que está presente todo ano — então você consegue fazer uma manutenção enorme. Se a gente quer ser um campeonato que tem a assinatura de correr em pistas de rua, a gente tem que aceitar isso. Essa é minha visão, pelo menos a médio prazo”, disse Sérgio, antes de completar:

“Se a Fórmula E evoluir para um carro super rápido na Gen4 ou Gen5, pode ser o caso de falar: ‘não dá mais, vamos para pistas tradicionais como Spa e Monza’. Para mim, não é o caso ainda. Nenhum circuito me vem na cabeça e eu penso: ‘esse é impraticável'”, completou.

Nova maneira de pilotar

O GRANDE PRÊMIO questionou Sette Câmara sobre como o brasileiro vê as disputas na pista para o ano que vem. Com carros consideravelmente mais rápidos e mais leves, a tendência é de que as batalhas se intensifiquem ainda mais. No entanto, as características dos circuitos ainda deixam alguns pontos de interrogação no ar. Além disso, apesar de ter um peso menor do que o Gen3, o Gen3 ainda é um carro bastante pesado na visão do brasileiro — o que torna a exigência física maior ainda.

“Por conta de ter o motor na frente, ou pelos pneus serem mais largos esse ano, o carro é muito mais pesado de guiar. É muito físico mesmo. Eu fiz três dias completos em um treino coletivo em Varano, com as equipes fornecedoras, e percebi ali que era o carro mais pesado que eu já guiei. Mais até que o F2, F3, é muito pesado mesmo. As corridas vão ser extremamente físicas”, prevê Sette Câmara.

Pilotos já tiveram que responder sobre a falta de confiabilidade dos Gen3 em Valência (Foto: Fórmula E)

Bateria deficiente

Apesar de planejar a escrita de uma nova história no ano que vem, nem tudo tem sido felicidade na Fórmula E. Os carros Gen3 não apresentaram a velocidade esperada na pré-temporada de Valência, pouco mais de 0s6 mais rápidos que os Gen2 — Alberto Longo, CEO da categoria, previa tempos até 4s mais velozes —, e a confiabilidade foi o ponto principal de tensão entre equipes e organizadores.

As baterias projetadas pela Williams simplesmente não apresentaram a confiabilidade esperada, com problemas que acarretaram em carros parados na pista e uma verdadeira dor de cabeça na logística de entrega de novas partes. Sérgio comentou sobre as questões envolvendo a bateria e admitiu certo descontentamento, já que a promessa era de passar mais tempo acelerando do que regenerando a energia.

“Ninguém tinha me perguntado isso ainda, e é uma coisa que vai dar uma ideia para as pessoas de como vai ser: na minha opinião, acho que vamos ter mais ultrapassagens ainda na próxima temporada, pelo menos com o que estamos vendo até agora”, opinou o brasileiro.

“A Williams colocou uma disposição de carga muito maior na bateria, mas ela sofreu com problemas. Então, eles estão reduzindo o quanto a gente pode carregá-la. Pelo que eu vi nos treinos, a gente vai ter de sair da curva e praticamente já tirar o pé nas retas. Vamos passar boa parte das retas fazendo coasting, que é deixar o carro rolar. Isso eu não acho que seja o ideal, porque a gente quer sair dessa: a gente quer que a categoria, daqui a cinco, seis anos, que seja pé no fundo a corrida inteira”, destacou.

Pilotagem mais física e quantidade ainda maior de ultrapassagens: é o que Sette Câmara espera da Fórmula E em 2023 (Foto: Fórmula E)

Maior número de ultrapassagens

Apesar da lamentação, a necessidade do coasting também traz um ingrediente a mais: um número maior de ultrapassagens. De acordo com Sette Câmara, o ato de tirar o pé na reta pode ajudar na recuperação de energia, mas também pode custar a perda de uma colocação que não será recuperada. Assim, o brasileiro acredita que a nona temporada vai oferecer um número ainda maior de batalhas por posições.

“Pelo que vi, vamos ter muito coasting. Isso proporciona muitas ultrapassagens na Fórmula E, mesmo em circuitos em que essas ultrapassagens são impraticáveis. Você precisa tirar o pé no meio da reta — caso contrário, você não bate sua meta de energia. E eu posso escolher usar a minha estrategicamente naquela reta, e assim eu vou te passar. Então, o volume de ultrapassagens deve até aumentar no ano que vem devido a isso”, avaliou.

Após a realização da pré-temporada, Sette Câmara e os demais pilotos entram na pausa de inverno, último hiato antes da estreia oficial dos novos Gen3. A abertura da Fórmula E 2022/23 será no dia 14 de janeiro, no Autódromo Hermanos Rodríguez, com a disputa do eP da Cidade do México.

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