Retrospectiva 2022: Fórmula E flerta com perigo e deixa lições para Era Gen3
Decisões controversas da direção de prova da Fórmula E pautaram a temporada 2021/2022, marcada por acidentes bizarros — que envolveram guindaste na pista e até uma corrida encerrada prematuramente em Nova York
A Fórmula E apresentou ingredientes de todos os tipos ao longo da temporada 2021/2022: um campeão inédito, que abusou da regularidade para ficar com a taça; quatro concorrentes à altura pelo título, que levaram a disputa até a última etapa; recorde centenário — e milenar — batido por brasileiro na categoria, e até algumas despedidas — algumas de equipes importantes do grid, e outra de um de seus campeões, realizando seu sonho rumo à Fórmula 1.
No entanto, é impossível afirmar que tudo foi positivo em 2022. Assim, o GRANDE PRÊMIO relembra nesta retrospectiva alguns dos principais erros da categoria no ano, além de destacar os equívocos por trás dos dois acidentes que marcaram o campeonato.
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A primeira etapa do campeonato, em Diriyah, já mostrou que não seria um ano fácil para a direção de prova da Fórmula E, capitaneada pelo diretor de corridas Scot Elkins. Após a primeira prova do fim de semana transcorrer normalmente, com vitória de Nyck de Vries, a segunda disputa foi tomada por uma verdadeira série de erros por parte dos comissários.
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Com pouco mais de nove minutos para o encerramento da corrida, Alexander Sims atingiu o muro com sua Mahindra e ficou parado no local. Imediatamente, a direção de prova acionou a bandeira amarela em toda a pista e os pilotos diminuíram, com as ultrapassagens obviamente proibidas.
Aqui, vale um parêntese: na Fórmula E, uma entrada do safety-car causa imediatamente um acréscimo de tempo — determinado pela direção de prova — à contagem final da corrida, para que se possa ‘descontar’ as voltas dadas atrás do carro de segurança. A única exceção, porém, é se a entrada do safety-car acontecer com menos de cinco minutos para o fim.
Foi então que Elkins e sua trupe decidiram aguardar os cinco minutos, e só então determinaram a entrada do SC na pista. Para piorar de vez a situação, foi autorizada também a entrada de um guindaste no traçado para a remoção do carro de Sims, o que causou uma cena absurda em que os carros passavam ao lado — praticamente embaixo — do carro suspenso.
Os pilotos lamentaram bastante a sequência de péssimas decisões — uma bandeira vermelha resolveria o problema —, que culminou em uma vitória sob safety-car de Edoardo Mortara. Aquele, porém, seria apenas o primeiro indício de que algo maior estava por vir nas corridas seguintes.

Pulando alguns meses, mais especificamente para o dia 14 de maio, o suíço da Venturi — que em 2023 será piloto da Maserati ao lado de Maximilian Günther — foi outro a sentir na pele as dificuldades da direção de prova da Fórmula E em tomar decisões rápidas de acordo com a situação.
Antes da primeira corrida da rodada dupla em Berlim, Mortara passou a ser investigado por ter ultrapassado o limite de velocidade do pit-lane na saída para a formação do grid. A questão é que a resolução sobre o incidente não aconteceu até o fim da corrida, vencida justamente por Edoardo — que liderou praticamente toda a disputa e quase não comemorou, ciente de que poderia perder o triunfo.
Novamente, precisando tomar uma decisão que podia impactar diretamente no resultado da corrida — e uma nem tão difícil assim —, a Fórmula E ignorou o contexto do que acontecia ao seu redor e esperou até depois da cerimônia do pódio para anunciar que o suíço seria multado em € 1.200 — aproximadamente R$ 6,6 mil na cotação atual.
Adiantemos a fita mais um pouco, e o dia 16 de julho enfim trouxe a combinação da leniência e falta de preocupação com segurança, características de Diriyah, com a letargia excessiva de Berlim: como resultado, o caos se formou de vez em Nova York, com uma sequência de pelo menos quatro carros se chocando consecutivamente nas barreiras de proteção, em acidente assustador.
A corrida transcorria normalmente na cidade americana, com Nick Cassidy na liderança e dez minutos restantes no cronômetro. Foi a partir daí que a chuva começou a cair em Nova York e o circuito mostrou que não tinha absolutamente nenhum preparo para a água: rapidamente, a pista ficou alagada e começou a produzir uma série de pontos de aquaplanagem.
Foi assim que o líder da prova, sem sequer conseguir diminuir a velocidade, foi diretamente na barreira de proteção. Para piorar, o segundo colocado Lucas Di Grassi perdeu o carro exatamente no mesmo ponto e estampou o carro do neozelandês, que já estava estatelado no muro. Não parou por aí: Stoffel Vandoorne, Sébastien Buemi e Edoardo Mortara também não conseguiram manter o controle e foram atingindo os carros de forma sucessiva — e muito violenta.
O momento causou bastante preocupação em arquibancada e paddock, com António Félix da Costa saindo de seu carro para ajudar na retirada dos pilotos, mas nenhuma consequência grave foi registrada. Cassidy viu seu carro ser destruído e largou do pit-lane na corrida seguinte, mesmo garantindo a pole, enquanto Di Grassi destacou a batida como a “pior da carreira”.
O que piora demais a situação para o lado da FIA é o fato de que diversos pilotos — entre eles, alguns acidentados no lance, como Di Grassi e Vandoorne — avisaram que as condições do asfalto não ofereciam mais a possibilidade de correr. Completamente ignorados pela direção de prova, que foi incapaz de observar se o circuito tinha um escoamento apropriado, os competidores foram expostos a uma situação de puro perigo e dependeram exclusivamente da segurança dos carros Gen2.
É possível imaginar que uma confusão de proporções tão grandes inspirasse mudanças, mas não foi exatamente assim que as coisas aconteceram. A temporada seguiu seu curso e desembarcou em Seul, capital da Coreia do Sul, para o encerramento do campeonato. E, na primeira volta da primeira corrida da Fórmula E no país, novo big-one com direito a engavetamento de oito carros empilhados no muro. O motivo? Aquaplanagem.
O safety-car checou a pista, os carros fizeram a volta de apresentação normalmente e a largada foi autorizada, antes de uma bandeira vermelha interromper a disputa com menos de dois minutos. Sébastien Buemi, Dan Ticktum, Nick Cassidy, Nyck de Vries, Norman Nato, Oliver Turvey, André Lotterer e Oliver Askew passaram reto exatamente no mesmo ponto, todos indo diretamente no muro e causando um acidente bizarro.
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A pior parte do incidente foi o contato entre Buemi e De Vries, pois o holandês literalmente entrou embaixo do carro do suíço e poderia ter sua vida posta em risco, não fosse o halo. De todos os envolvidos no incidente, apenas dois conseguiram retornar à corrida: Nato e Cassidy.
A sensação, no fim, foi de que meras decisões rotineiras demandam uma grande quantidade de tempo. Assim, o que dizer das que realmente apresentam alto grau de dificuldade ou rapidez?
A Fórmula E flertou com o perigo em algumas oportunidades ao longo de 2022, e a promessa dos carros mais potentes da história — nas mesmas pistas —, com a introdução dos Gen3, traz a dúvida de como seriam as consequências desses incidentes sob velocidades ainda mais altas. Definitivamente, a velocidade de raciocínio da direção de prova precisa acompanhar o salto tecnológico.

