Mercedes se perde e nem conceito novo salva W14. É garantir vice e pensar na F1 2024

A Mercedes insistiu no fracassado projeto do zeropod em 2023 e pagou um preço alto. Do início da temporada até o GP de Mônaco, a equipe alemã enfrentou falhas e oscilou em termos de performance com um carro da mesma linhagem do malogrado W13. Então, se viu obrigada a mudar tudo. Buscou soluções na concorrência, mas ainda sofre com um W14 ‘B’ imprevisível e ainda sustenta uma enorme desvantagem para a Red Bull. A verdade é que a esquadra alemã tem uma dura missão pela frente na segunda parte da temporada da F1, mas precisa também pensar no próximo ano

Antes mesmo de a temporada 2023 da Fórmula 1 começar, a Mercedes já sabia que havia feito uma aposta alta ao insistir no conceito do zeropod. Única equipe do grid a investir em um design tão extremo, os alemães perderam boa parte do campeonato passado, tentando achar um suposto potencial no W13. De fato, na segunda metade do ano, o time apresentou um pequeno salto de qualidade que o levou a vencer em Interlagos. E certamente esse episódio fundamentou a equivocada decisão de seguir por esse caminho. O problema foi que, ainda no túnel de vento nos primeiros meses deste ano, o modelo exibiu deficiências sérias que depois foram comprovadas quando o W14 ganhou vida, em fevereiro. O que também desencadeou mudanças bruscas, do campo técnico ao pessoal, dentro das garagens chefiadas por Toto Wolff.

“Trabalhamos muito no ano passado para procurar outros tipos de soluções. Mas continuamos com esse conceito porque é o que mais nos favorece. É a solução certa a longo prazo? Nós vamos descobrir”, disse Mike Elliott, então diretor-técnico da Mercedes e responsável pelo projeto do W14. A resposta talvez tenha sido mais rápida do que se esperava e mais dura do que o imaginado.

Assim como o antecessor, o novo carro da Mercedes apresentou uma crônica falta de velocidade de reta e uma enorme incapacidade de gerar downforce. Ainda, a parte traseira ainda continuou oferecendo um desafio a mais a Lewis Hamilton e o George Russell. O trabalho dos engenheiros em relação ao sistema de suspensão, ainda muito rígido, e a altura do carro foi grande, mas sem sucesso imediato. Os primeiros dias de testes confirmaram os temores sobre a performance e, no GP do Bahrein, a Mercedes tomou um choque de realidade quando se viu não só muito atrás da Red Bull, mas também da Ferrari e de uma inesperada Aston Martin — que já brilhara na pré-temporada. O heptacampeão terminou a prova barenita na quinta colocação, 50s atrás de Max Verstappen, o vencedor. A diferença entre o W14 e o RB19 era absurda e beirava 1s.

O Bahrein foi um choque de realidade para a Mercedes em 2023 (Foto: Red Bull Content Pool)

Dessa forma, a decepção tomou conta da garagem alemã. E palavra de ordem passou a ser atualizações. Dias depois da etapa inaugural de 2023, a esquadra das Flechas Pretas decidiu promover “mudanças radicais”.  Porque, além das óbvias falhas aerodinâmicas, o carro também exibiu um desgaste incomum dos pneus e um fraco ritmo de classificação e corrida. “Neste momento, estamos analisando uma revisão que virá nas próximas corridas. Dada a diferença para os que estão na frente [do grid], é claro que vamos olhar para mudanças mais radicais”, reconheceu Andrew Shovlin, engenheiro de pista dos octacampeões, ainda no início de março.

A questão é que as tais mudanças não surtiram efeito. Na Arábia Saudita, as dificuldades seguiram. Nada de pódio e uma diferença ainda acima dos 30s para Sergio Pérez, que levou a etapa em Jedá. Foi então que as críticas se tornaram mais severas, especialmente as que vinham de dentro dos boxes. Hamilton, por exemplo, chegou a dizer que a equipe não o ouviu durante o desenvolvimento do projeto novo, muito embora tenha sido ele o escolhido como cobaia, em 2022, quando a Mercedes lidava com o problemático W13. “No ano passado, falei diversas vezes. Eu expliquei os problemas do carro. Guiei tantos carros na minha vida. Eu sei do que um carro precisa e do que não precisa. E penso que é realmente sobre responsabilidade”, desabafou o piloto.

“Trata-se de assumir e dizer: ‘Sim, quer saber? Não ouvimos você’. Não é sobre onde precisa estar, mas temos de trabalhar. Temos de olhar para o equilíbrio nas curvas, observar todos os pontos fracos e nos unirmos como um time. É isso que fazemos. Ainda somos multicampeões mundiais, sabe? Só não acertamos desta vez. Não acertamos no ano passado. Mas isso não significa que não podemos acertar no futuro”, completou.

A declaração caiu como uma bomba, claro.

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Lewis Hamilton tentou tirar o máximo no W14 e pontuou em todas as 12 primeiras etapas de 2023, mas não poupou críticas à Mercedes e cobrou melhorias (Foto: AFP)

O recordista de vitórias na F1 foi duro com a equipe e não poupou cobranças ao longo desta primeira parte de temporada, em que foi capaz de pontuar em todas as provas, fazendo com que o W14 parecesse melhor do que realmente era. Wolff também sentiu o desconforto e pediu mudanças. “No fim da temporada passada, parecia que tínhamos nos recuperado bastante e era apenas questão de tempo e de quais circuitos seriam adequados a nós, mas agora a diferença para a Red Bull dobrou, se é que não triplicou”, afirmou o chefão da Mercedes. 

“É uma questão de desempenho que precisamos encontrar para nos colocar de volta em posição de lutar por vitórias e campeonatos. Perdemos um ano no desenvolvimento nisso”, analisou o dirigente.

Só que o primeiro top-3 veio na Austrália, terceira corrida da temporada. Foi um brilho pontual, ajudado principalmente por um acerto particular em uma pista igualmente singular. A prova também foi tumultuada e marcada por bandeiras vermelhas, decisões atrapalhadas da direção de prova e acabou terminando atrás do safety-car. Mesmo assim, proporcionou um pódio emblemático: Hamilton foi segundo, atrás de um Verstappen imperial e à frente de Fernando Alonso, que se acostumava de novo com os degraus do pódio na F1, empurrado por um astuta Aston Martin.

Atravessando um momento de enorme pressão, a alegria do pódio e a sensação de ter encontrado um caminho se esvaíram rapidamente nas duas corridas seguintes, Azerbaijão e Miami. A desvantagem para a Red Bull continuava enorme, enquanto a equipe verdinha e a Ferrari pareciam mais assertivas. Só que, nesse ponto da temporada, a Mercedes já havia decidido abandonar de vez o design do zeropod e trabalhava intensamente em um pacote completamente novo. A ideia era colocar essa configuração ‘B’ na Emília-Romanha, primeira etapa da fase europeia. No entanto, veio o revés. A região de Ímola foi atingida por fortes chuvas, e isso provocou o cancelamento da prova, o que forçou a Mercedes a tomar uma decisão ousada: sem tempo a perder, a equipe optou mesmo por levar o novo carro a Mônaco — a corrida seguinte.

Nesse meio tempo, algumas informações vieram à tona. Elliott, que havia sido o pai do zeropod, deixara o cargo de diretor-técnico, enquanto James Allison, que desempenhava papel apenas na fábrica, passou a gerenciar pessoalmente as mudanças e a viajar com o time, no cargo que fora de Mike. Foi sob a batuta de Allison que a Mercedes apresentou em Monte Carlo um modelo completamente diferente. Desta vez, a engenharia tentou soluções menos inventivas e procurou entender melhor os conceitos da concorrência. A equipe revisou o assoalho, toda a parte lateral, introduziu uma nova suspensão dianteira e, claro, o sidepod — na verdade, os engenheiros tentaram reproduzir um pouco da direção tomada pela Red Bull — não com o requinte do RB19, mas também não hesitaram em copiar elementos da Aston Martin e da Ferrari. Tudo em nome de uma adaptação mais rápida.

James Allison comandou as mudanças feitas no W14 em 2023 (Foto: AFP).

Em primeiro momento, foi um banho de água fria. Apesar das particularidades do circuito urbano mais famoso da F1, o desempenho geral da Mercedes não mudou em nada. A diferença para a Red Bull e Aston Martin seguiu a mesma. Então, o jeito foi esperar pela Espanha, tradicional palco de testes. Como sempre, Barcelona acaba revelando mais sobre as novidades, por oferecer uma pista em que é possível examinar tudo: tração, downforce, alta velocidade, enfim. E nesse cenário, o novo W14 entregou o que prometeu. Embora a classificação não tenha sido tão espetacular, o domingo colocou um sorriso no rosto da equipe multicampeã. O ritmo de corrida foi consistentemente melhor, a estratégia foi certeira e, no fim das contas, a Mercedes foi capaz de colocar seus dois pilotos no pódio: Hamilton à frente de Russell.

Duas semanas depois, o Canadá representava uma boa oportunidade para testar as atualizações. Lewis voltou ao pódio, mas viu uma Aston Martin mais veloz chegar em segundo, com Alonso. Atrás, a Ferrari também deu pinta de que poderia entrar na briga. Curiosamente, foi no Gilles Villeneuve que a F1 começou a notar uma tendência das mais inusitadas. Ainda que a esquadra de Lawrence Stroll tenha se mantido por boa parte do início do campeonato como segunda força, jamais esteve em posição de ameaçar a Red Bull. E isso se repetiu com outras rivais, que passaram a revezar esse posto de ‘melhor do resto’.

Isso aconteceu porque a própria Aston Martin sofreu uma queda drástica de rendimento. Por exemplo, o time foi bem no Canadá, quando também levou atualizações, mas desapareceu na Áustria, na prova seguinte, quando a Ferrari ressurgiu das cinzas. Depois, na Inglaterra, a McLaren surpreendeu a todos e apareceu forte, enquanto uma capenga Mercedes ainda salvou um pódio com o carro #44. Acontece que o ritmo não foi nem perto do esperando. Na verdade, a esquadra tinha a expectativa de uma etapa mais forte em Silverstone, porém as atualizações levadas não funcionaram a pleno.

Na Hungria, Hamilton foi capaz de cravar a pole, depois de um raro erro de Verstappen, mas também não pode com o carro laranja. Então, veio a Bélgica. E aí foi a vez da Ferrari. Por conta dessa oscilação e de novos nomes na busca pelo top-3, a análise da F1 ‘A’ neste momento do ano é das mais complexas, pois não há um padrão e, assim sendo, não é possível sequer traçar uma hierarquia de forças fiel, nem mesmo a classificação do Mundial reflete com exatidão essa ordem. O único elemento de solidez é mesmo Verstappen e a Red Bull — uma vez, que os taurinos venceram todas as 12 corridas até aqui.

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Lewis Hamilton celebrou muito a pole-position do GP da Hungria (Foto: AFP)

Shovlin tem uma teoria interessante para tentar entender esse aspecto peculiar de 2023. “Do jeito que estão as regras, se você tiver nas mãos um carro competitivo imediatamente e levando em conta o limite de custo, é muito difícil para as equipes alcançarem esse patamar. E se tem um carro competitivo, não precisa fazer atualizações semana após semana. A Red Bull começou já desse ponto”, disse.

É verdade. E é por isso que a Mercedes — também as rivais — terão mais trabalho pela frente e sem qualquer garantia.

De toda a forma, a esquadra alemã ainda foi capaz de fechar a primeira parte da temporada na segunda colocação, com 247 pontos contra 196 da Aston Martin e 191 da Ferrari. Como teve um início de temporada muito ruim, a McLaren aparece no quinto posto, com 103 tentos. E na real, a briga da octacampeã é essa: o vice-campeonato. É uma questão de honra, especialmente diante dos erros que cometeu, porque se perdeu ao longo do campeonato por teimosia, precisou recuar, para colocar um novo carro na pista, mas nem isso a salvou. Portanto, é imperativo equilibrar as perdas, capitalizar e já pensar em 2024, dentro de uma maturidade maior do regulamento.

Hamilton acredita nisso, inclusive. E seria bom se a equipe o ouvisse desta vez. “Ainda temos de trabalhar no equilíbrio. Precisamos de mais downforce, como sempre. Mas sei que todos na fábrica estão focados neste aspecto. Estamos focados em terminar em segundo para a equipe no campeonato de Construtores e estou determinado a terminar em terceiro no Mundial de Pilotos.”

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