Ferrari se acovarda, foge da raia e mostra que é máquina de fracassos na Fórmula 1

A temporada 2022 da Ferrari é uma comédia de erros. Na toada de uma esquete de humor, mostra um absoluto despreparo para o sucesso

FORA VERSTAPPEN, ALGUM PILOTO JOVEM MUDA EQUIPE DE PATAMAR NA FÓRMULA 1? | TT GP #64

Transformar uma equipe em campeã mundial de Fórmula 1 é um pedido de muitas camadas. É verdade que sem bastante dinheiro, boladas e mais boladas, isso não acontece. A barreira financeira é enorme, um verdadeiro problema, mas é apenas um dos bloqueios entre o desejo e a glória. Superada a questão do dinheiro, outras várias se impõem. E a Ferrari arredondou boa parte delas para a temporada 2022, mas não todas. O buraco que restou destrói todo o restante e parece até salgar a terra com a maneira acovardada como lidar com as dificuldades.

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O motor do imbróglio de 2019 causou uma queda vertiginosa que nem precisa ser tão profundamente lembrada no ano seguinte. É possível apenas dizer que foi a pior temporada da Ferrari em quatro décadas completas. O ano seguinte trouxe melhoras, mas ainda como parte de um pelotão intermediário rechonchudo. Deu, contudo, a possibilidade de passar muito mais tempo que as rivais no túnel de vento com o projeto revolucionário do novo carro da F1 para 2022. E assim foi feito.

Não há como dizer que o trabalho foi ruim. A Ferrari apareceu com um projeto consistente, muito melhor que McLaren, até que a Mercedes, e em par com a Red Bull. Desde o começo do ano, estava evidente que o bólido vermelho tinha somente o rubro-taurino como incômodo na busca pelas vitórias no primeiro ano desta nova tecnologia.

Se o papo for pilotos, outro ponto positivo. Na falta de contar com Lewis Hamilton ou Max Verstappen, os dois melhores da Fórmula 1 atual, conseguiu contar com aquele que é provavelmente o mais rápido entre os outros 18, Charles Leclerc, e um Carlos Sainz que mostrou estar entre os melhores da F1 nos anos de McLaren. Antes do ano começar, alguém podia até argumentar que Mercedes ou Red Bull tinha dupla de pilotos mais forte, mas era inegável que a Ferrari estava na prateleira mais alta na questão qualidade da dupla que assume o cockpit.

Charles Leclerc e Max Verstappen começaram o ano duelando na F1 (Foto: F1)

Tudo isso mostra um caminho claro e bem desenhado para voltar a fazer algo que a Ferrari não consegue há tempos: tocar o céu. Ponto para o chefe Mattia Binotto e o diretor-esportivo Laurent Mekies, ex-FIA, que encabeçam tudo isso. A seca atual, de 14 anos e que se aproxima de 15 sem títulos de Pilotos, é a segunda maior da história. O hiato entre os Construtores é de um ano menos, mas ainda longo demais, dura desde 2008. Mas dinheiro, preparação de engenharia e qualidade de pilotos são alguns fatores que podem ser simplesmente derrubados por uma operação murcha.

Aí é que mora o maior perigo. Leclerc vive uma fase técnica exuberante e saiu em disparada no duelo interno para se lançar como candidato ao título mundial de 2022. O monegasco pode até cometer erros, algo que não chega a ser antinatural, e estar ainda em processo de maturação, mas não é ele quem custará a chance de chegar a conquista. É ele quem sofre com uma operação flácida.

A Ferrari erra demais. Os problemas de confiabilidade de 2022 são graves, sim, mas não chegam a ser o fim do mundo. Numa temporada com tecnologia e engenharia inteiramente novos e em fase final de congelamento dos motores, que assim ficarão até o fim de 2025, é normal que os problemas aconteçam. A Red Bull também teve os dela. Leclerc já abandonou duas corridas no ano em que liderava por conta de estouro no motor — Espanha e Azerbaijão. Numa terceira — Canadá —, acabou largando do fundo do pelotão após a equipe resolver mudar toda a unidade de força.

Não foi apenas Leclerc que sofreu com a confiabilidade. Sainz viu o motor naufragar na Áustria e saiu do Azerbaijão com falha na parte hidráulica do carro, além de carregar uma punição por ter de trocar tudo na França. As grandes atualizações na F1-75, apresentadas pela Ferrari no GP da Espanha, sexta etapa das 13 até aqui do ano, fizeram do conjunto bem mais frágil e acabaram por, apesar de melhorar o rendimento, ter o efeito contrário na luta pelo título que se desenhava.

A Red Bull fez o caminho contrário. Depois de dois abandonos de Verstappen e um de Sergio Pérez nas três primeiras corridas do campeonato, sofreu somente mais dois nas dez provas seguintes, ambas com o mexicano: uma falha no câmbio no Canadá e uma batida com George Russell na Áustria.

Binotto e Leclerc: a Ferrari atrasa seu melhor piloto (Foto: Scuderia Ferrari Press Office)

Mas até as falhas de confiabilidade poderiam ser reversíveis. O que transforma todo o restante numa solução mais explosiva que nitroglicerina é a absoluta incapacidade operacional de firmar os dois pés no sucesso. Seja com uma dificuldade crônica de acertar estratégias, a incerteza na hora de pensar rápido ou a absoluta desfaçatez, uma covardia sem fim, na hora de tratar as declarações e as aspirações tornadas públicas meses e semanas antes.

E aí, não tem jeito, é necessário olhar para Leclerc, que foi quem se descolou para brigar com Verstappen pelo cinturão de campeão. O autor deste deste pede licença para destacar um trecho de outra análise publicada pelo GRANDE PRÊMIO na semana passada.

Depois das cinco primeiras corridas do ano, Leclerc tinha duas vitórias contra três de Verstappen, mas pontuara mais: 104 a 85. Estava óbvio que o RB18 vinha sendo atualizado e tinha mais ritmo que a F1-75, apesar da desvantagem. De Barcelona em diante, com a Ferrari mexendo bastante, as duas equipes passaram a trocar socos de desempenho. Cada uma tinha vantagem dependendo da pista e das condições climáticas dentro de um mesmo fim de semana. Divertido de ver.

Agora, leitora e leitor, leve em conta. Nas cinco corridas seguintes, entre os GPs da Espanha e da Inglaterra, o que aconteceu com Leclerc. Estouro do motor quando liderava na Espanha; erro inacreditável de estratégia no GP de Mônaco, onde Leclerc liderava e partia para uma vitória tranquila, acabou parando nos boxes duas vezes em quatro voltas, teve de esperar atrás de Carlos Sainz e caiu para quarto; outro estouro de motor, agora no GP do Azerbaijão; largou da última fila no GP do Canadá porque a Ferrari trocou o motor e excedeu o limite de três componentes de toda a unidade de força; mais uma vitória fácil, agora no GP da Inglaterra, foi jogada fora quando a Ferrari aproveitou uma bandeira amarela para resolver trocar os pneus apenas de Sainz, que vinha em segundo. Com pneus muito velhos contra uma sequência de pilotos de borracha nova, terminou em quarto – e a Ferrari teve tempo para decidir se parava Charles.

Essas foram as corridas seis, sete, oito, nove e dez de Leclerc na temporada. Com os cumprimentos ferraristas, o que era liderança após as primeiras cinco provas era um terceiro lugar do campeonato e desvantagem de 43 pontos cinco corridas depois. Nas três desde então, uma vitória foi acompanhada por um equívoco pessoal grave e mais um erro da Ferrari. A distância passou a ser de 80: virtualmente inalcançável.

Assim como os erros de confiabilidade, não sobra somente para Leclerc. Sainz precisou escalar o pelotão duas vezes na França porque largou na última fila após a troca do motor e ainda foi punido após a equipe soltá-lo na hora errada no pit-lane, quase causando um acidente. Ainda teve a estratégia discutível de parar Carlos para um último pit-stop assim que ultrapassou Russell para assumir o terceiro lugar, enquanto era mais rápido e via Russell e Pérez se enfrentarem mais atrás. Discutível é o mínimo que dá para dizer.

Há um problema crônico que faz a Ferrari tirar os seus pilotos de posições privilegiadas com frequência inacreditável.

Ferrari deu vitória na Inglaterra a Sainz quando Leclerc se encaminhava para triunfar (Foto: Justun Tallis/AFP)

E talvez por isso a equipe tenha começado a tirar o cavalo da chuva no que diz respeito a desafiar pelo título. Fugir da raia é muito feio, especialmente quando o campeonato está mais perto da metade que do fim. Com nove corridas pela frente e um sem número de pontos em jogo, não é hora nem de conceder a derrota, quanto mais de fugir dela. Sim, porque Binotto passou a dizer, após ver a Red Bull se afastar, que o título não era a meta de 2022. Bem, analisemos o que falou antes.

Em março, após a vitória no Bahrein. “É ótimo para nós! Tem sido tudo muito difícil… Foi uma vitória muito apertada e será assim ao longo do ano. As expectativas estão postas, nós as criamos. Somos a Ferrari, todos estão esperando por nós e, depois dessas temporadas difíceis, trabalhamos ainda mais forte em nossas fábricas. A temporada será longa e queremos fazer parte [da briga por título]”, afirmou, empurrado pela animação.

Ainda no fim daquele mês de março, antes do GP da Arábia Saudita, o chefe da Ferrari desde a temporada 2019 seguia bastante otimista.

“Pessoalmente, sempre tive fé na equipe. Trabalharam como um grupo unido e reagiram às dificuldades quando encontramos. É bom ver que estão novamente brigando por um primeiro lugar. É nossa meta para temporada”, disse.

Na virada para o mês de abril, Mattia continuava na mesma toada. “Manter o nível de desenvolvimento ao longo da temporada é sempre um desafio para todos os times. É verdade que nossos oponentes são muito fortes e já provaram, enquanto nós, como Ferrari, nas duas últimas oportunidades que tivemos, em 2017 e 2018, perdemos terreno por conta do desenvolvimento. Desde então, melhoramos nossas ferramentas, como o túnel de vento, as metodologias e processos e o simulador. Acho que hoje estamos muito mais preparados em relação ao passado para fazer o trabalho de desenvolvimento da melhor maneira”, apontou.

Tudo isso foi falado em 2022 e para 2022, certo? Não há erro de contexto aqui.

Depois, no começo de junho, logo após o estouro de motor em Barcelona e a estratégia estapafúrdia de Monte Carlo, só dois revezes seguidos, Binotto mudou o discurso sem nem reconhecer que menos de três meses antes dissera algo diferente.

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“Nossos objetivos eram que fossemos competitivos novamente em 2022. Então, queremos ser competitivos, não ganhar o campeonato, e seria ruim transformar isso em: ‘Vamos tentar ganhar o campeonato porque somos muito competitivos’. Ser competitivo é uma coisa, ser campeão do mundo é outra tarefa”, falou Binotto.

“Não há dúvida de que estamos tentando iniciar um novo ciclo. Queremos ser campeões mundiais, não uma, mas várias vezes, e permanecer no topo. Mas acho que isso leva tempo. Nossa mentalidade é que temos que continuar melhorando como equipe para podermos ganhar um campeonato. A ambição existe. Todos que trabalham para a Ferrari têm ambição – acho que não preciso lembrá-los”, continuou.

O conceito de ambição é interessante. Ano passado, a Red Bull sabia que era possível que se prejudicasse ao não concentrar no novo carro meses antes do fim do ano, mas escolheu permanecer trabalhando no carro de 2021 até o fim, ainda que aquele investimento fosse ser descartado em dezembro, com a mudança absoluta na tecnologia dos carros. Mas por que, então, correu o risco? Porque oito anos depois de ser superada pela Mercedes, viu que tinha uma chance de voltar a conquistar o mundo. No esporte, as possibilidades reais de título precisam ser exploradas até o fim, porque jamais se sabe quando vão aparecer de novo. Isso, sim, é ambição. É coragem.

A Ferrari toma o caminho contrário. Com Binotto à frente, encampando a estrada do fim do mundo, resolve se acovardar frequentemente. Binotto prefere dizer que nunca esteve na briga mesmo quando esteve e que não tinha chances de ganhar quando tinha — e o mundo viu que esteve na briga e tinha chances do caneco — a admitir que a equipe foi à luta e perdeu, porque ainda não sabe otimizar tudo que tem de bom. Dizer que não está pronta é muito fácil, porque tira de si próprio o peso de fazer vale todos os predicados desenhados em Maranello. É muito mais fácil falar que 2022 é mais um passo no caminho da reconstrução, porque isso faz com que a equipe e seus cabeças ganhem tempo para seguir em buscar a glória que bateu na porta já em 2022.

A Red Bull tem operação muito superior à Ferrari, mas não é apenas isso. A Red Bull sequer precisa vencer a Ferrari, porque a maioria das batalhas de pista que as duas equipes deveriam ter por vitórias em 2022 foram água abaixo por conta de erros dos italianos. A Ferrari tira ela própria da conversa, pisoteia as chances que deveria abraçar e entrega o campeonato de vantagem para Verstappen e a Red Bull.

Enquanto isso, Binotto segue falando das corridas e do campeonato num mundo próprio, apenas dele, tentando sufocar as imagens que o mundo viu. Como no GP da Hungria, quando mais uma vez estragou a corrida de Leclerc, que dominava de pneus médios e ia para a vitória. A solução de Binotto para explicar os motivos de ter apostado nos pneus duros com os quais a equipe sofria? Negar a realidade.

“Certamente hoje não tivemos performance com nenhum pneu, médios ou duros”, disse mesmo após Charles ter ampla vantagem na liderança da corrida minutos antes. “O carro não se comportou bem e foi a primeira vez em 13 corridas que isso aconteceu”, declarou.

Binotto potencializa os erros, faz praticamente com que se esqueça os predicados e torna cada palavra oficial da Ferrari uma melancolia que até machuca. Vencer é quase impossível quando se abraça o fracasso.

FERRARI: ESPECIALISTA EM FRACASSO E DERROTA NA FÓRMULA 1 2022
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