Na Garagem: Cevert morre após acidente devastador nos EUA. E Stewart se aposenta

A classificação do GP dos Estados Unidos de 1973, há 50 anos, foi um dia nebuloso para a Fórmula 1. Acidente gravíssimo matou François Cevert. Foi, ainda, a última vez que Jackie Stewart esteve nas pistas da categoria

Num dia 6 de outubro como hoje, sábado, em Watkins Glen, a Fórmula 1 viveu um daqueles dias que gostaria de jamais ter existido. Numa história repleta de momentos sombrios, de tristeza ardente, aquele dia de 1973 foi dos que marcou mais. Há exatos 50 anos, um acidente devastador na classificação do GP dos Estados Unidos matou François Cevert e acabou, na prática, com a carreira de Jackie Stewart.

O GP dos Estados Unidos marcava a 15ª e última etapa da temporada 1973. Que, aliás, já estava definida no Mundial de Pilotos: Stewart confirmara o tricampeonato mundial com duas etapas de antecedência, na Itália, com um quarto lugar que coroava o título com cinco vitórias. No Mundial de Construtores, sim, havia briga voraz entre a Tyrrell, de Stewart, Cevert e Chris Amon, e a Lotus, de Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson.

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François Cevert era uma das promessas da Fórmula 1 no começo dos anos 1970 (Foto: Reprodução)

Naquela época, a equipe somava os pontos do melhor posicionado na corrida e não de todos os pilotos empregados, como funciona hoje. Por isso, o fato de Amon ter se juntado à Tyrrell para as últimas corridas do ano não influenciava dramaticamente a conta.

Se Stewart, maior nome da Fórmula 1 àquela altura, tinha perfeito controle do carro da Tyrrell no caminho para se tornar tricampeão e bater o então recorde histórico de vitórias da categoria, Cevert rapidamente mostrou que conseguia se equiparar. É verdade que as vitórias não vieram, mas foi segundo colocado seis vezes na temporada – três vezes atrás de Jackie. Ao todo, sete pódios em 14 provas. Até mesmo o escocês reconheceu, posteriormente, que Cevert fora um segundo piloto “obediente”, quando mostrava força para competir.

Com esse fator na conta junto a alguns outros, na vida privada e na esportiva, Stewart decidira se aposentar no fim da temporada – há quem acredite que o acidente daquele 6 de outubro foi preponderante na decisão, mas não é a história contada pelo tricampeão. Segundo ele, decidira em abril, muito antes daquele fim de semana, mas contara apenas para o chefe Ken Tyrrell. Nem mesmo a esposa, Helen, sabia da decisão. Stewart e Tyrrell, juntos, decidiram que Jackie passaria o bastão no fim do ano, ao completar 100 GPs, e que Cevert seria o piloto principal da equipe no ano seguinte. A relação tremendamente amistosa dos dois virou mesmo de pupilo e mestre, com Stewart ajudando a preparar François para assumir, mesmo que o francês ainda não soubesse, o protagonismo na equipe.

Mas o sábado em Watkins Glen apresentou outra realidade, muito menos amistosa e mais sombria. Os dois decidiram, em discussão captada inclusive por câmeras, tomar caminhos diferentes com a relação de marchas no miolo do circuito, pelos ‘Esses’, antes de ingressar na reta oposta. Stewart queria fazer o trecho na terceira marcha e ter mais estabilidade na dupla de curvas; Cevert, por outro lado, decidiu ir de quarta marcha e apostar em mais tração no fim do trecho e entrada da reta. É importante destacar que, apesar do desfecho trágico, François conhecia bem a pista: tinha vencido a corrida por lá em 1971.

Dois anos antes, em 1971, Cevert venceu a corrida em Watkins Glen (Foto: Reprodução)

No fim do primeiro turno da classificação – coisas do formato antigo de tomada de tempos da F1 -, Cevert perdeu o controle do Tyrrell 006 exatamente na subida dos Esses. Entre as curvas três e quatro, teve de lidar com uma saída de frente após a segunda perna das curvas, tocou a zebra forte demais e perdeu de vez o comando do bólido. Foi em direção ao guard-rail no canto oposto para uma pancada violentíssima que o jogou novamente para o outro lado, já capotando, para o impacto derradeiro.

Cevert deu azar, ainda, de bater bem no trecho da curva onde o guard-rail era menos preparado e precário. Até metros antes, tratava-se de uma proteção de quatro lâminas: mas, onde bateu, somente duas lâminas ladeavam a pista. A força do impacto fez o carro entrar por baixo e arrastar o guard-rail por vários metros. Ainda dividiu o carro pela metade, jogando a traseira de volta para a pista e fazendo o cockpit passar por cima da barreira e terminar atrás dela.

Enquanto o carro se desfazia, Cevert entrou em contato direto com a barreira e foi degolado. Morreu na hora, sem qualquer chance de resgate. François Cevert, que tinha vencido na F1 pela única vez justamente ali, em Watkins Glen, dois anos antes, estava morto aos 29 anos.

Jody Scheckter passava logo atrás e parou para ajudar no resgate, mas chegou à mesma conclusão que uma fila de pilotos que viriam nos minutos seguintes: não havia nada a fazer. “Metade do carro estava na pista, ainda havia fogo. Eu pulei do meu carro e lembro que a corrida ainda estava rolando. A grande questão era tirá-lo do carro. Fui direto no cinto de segurança e, aí, virei para todo mundo que estava chegando e disse ‘não venham'”, lembrou anos mais tarde.

“Eu meio que apaguei da minha cabeça, mas o acidente teve grande efeito sobre mim. Percebi que tudo aquilo era muito real. Foi a primeira morte que eu vivi de perto no esporte. A vida continuou depois, todo mundo se comportou igual, e eu pensava que, de certa maneira, a vida não devia apenas continuar”, recordou.

“Eu nunca vi nada como aquilo”, disse Ronnie Peterson ao chefe da Lotus, Peter Warr, quando voltou aos boxes. “Foi um dos dias mais tristes da minha carreira”, falou Emerson Fittipaldi.

O estado do Tyrrell 006 de François Cevert após o acidente (Foto: Reprodução)

Mesmo décadas depois, o amigo Stewart ainda tem remorsos sobre o dia. “Até hoje, eu [penso que] gostaria de ter ficado mais tempo com ele. Mas ele estava morto… Foi um acidente terrível, muito além de qualquer coisa que acho que jamais aconteceu numa corrida da F1. Ainda sou afetado por isso, até hoje”, disse em entrevista concedida em 2018.

A Tyrrell decidiu encerrar a participação no evento e não correr. Assim, Stewart anunciou a aposentadoria oficialmente sem a última prova e terminou a carreira com 27 vitórias em 99 largadas, aos 34 anos de idade. Foi Peterson quem venceu uma corrida de pouca celebração no domingo, para a Lotus, com James Hunt colado atrás. Carlos Reutemann fechou o pódio. A Lotus, sem presença da única rival, confirmou o título do Mundial de Construtores.

No ano seguinte, sem Stewart e Cevert, a Tyrrell alinhou os ainda pouco experientes Jody Scheckter e Patrick Depailler. Jody, que seria campeão com a Ferrari em 1979, brigou pelo título até o fim, mas perdeu para Fittipaldi e terminou em terceiro. Ainda em 1974, outro piloto, Helmuth Koinigg, morreu em circunstâncias bastante parecidas em outra parte da pista. Watkins Glen deixou o calendário da F1 de vez em 1981.

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