Guia Fórmula E 2024: Era Gen3 chegou com sucesso, mas ainda há grande elefante na sala

A Fórmula E viveu uma temporada de competição bastante acima da média e com resposta positiva para a maioria, quase todas as perguntas. Mas uma delas continua: e o Attack Charge?

Havia expectativa gigantesca quanto ao que a Fórmula E conseguiria fazer com a estreia do Gen3, em 2023. Se lá em 2018, quando passou a contar com a segunda geração de carros da categoria, havia a interrogação sobre o funcionamento do modo ataque e das baterias que duravam uma corrida, as interrogações no ano que acabou de terminar eram tão grandes quanto. Mas diferentes: o funcionamento do campeonato, claro, com novos carros, baterias e pneus, mas havia mais que isso: a Fórmula E tinha um caminho claro para o futuro? Se o sucesso inicial do Gen3 foi digno de alívio, uma grande pergunta do plano-máster segue posta e diz respeito ao Attack Charge.

A temporada que passou, primeira com a terceira geração de carros da história da categoria, deixou a sensação que tudo aquilo que a Fórmula E estabeleceu como caminho desde sobretudo 2020 até agora finalmente ganhou corpo. Gravemente ferida pela pandemia, que tirou o mundo de circulação das ruas, a Fórmula E foi a primeira categoria a decretar um controle financeiro robusto entre equipes e fábricas; aos poucos, tornou as pistas mais velozes e ajustou o projeto dos carros para que fossem um tanto menos resistentes ao impacto e menos robustos nas extremidades, entre outras alterações.

O resultado foi que as baterias mais potentes funcionaram bem, tornaram os carros de fato mais fortes e velozes e, com a existência de uma rede de nova personalidade de pistas, bem mais velozes que as das origens do campeonato, e carros que não exigiam — ou sequer permitiam — contatos constantes para ultrapassagem, a qualidade das corridas aumentou. Como, lá em 2020, a categoria limitou o encarecimento da participação, as equipes clientes entraram como parceiras das fábricas maiores e se jogaram na briga de imediato. Foram duas clientes que terminaram com os títulos de 2023: A Andretti, cliente da Porsche, com Jake Dennis entre os Pilotos, e a Envision, parceira da Jaguar, entre as Equipes.

O que aconteceu na pista, ao longo do campeonato, superou as desconfianças de antes da jornada iniciar. O regulamento técnico, afinal, fora fechado e disponibilizado apenas dias antes da temporada começar, algo que evidentemente causou fricção com equipes e pilotos. Afinal, era a estreia de uma nova geração de carros, completamente diferente da anterior.

O campeão da Fórmula E 2023, Jake Dennis (Foto: Andretti)

A opinião interna era a pior possível sobre as mudanças do modo ataque, por exemplo, que passaram a permitir que os pilotos dividissem o tempo disponível com o recurso para diferentes abordagens. As baterias, também completamente novas no retorno da Williams Advanced Engineering, causaram dor de cabeça e relatos de superaquecimentos e vazamentos após terem sido entregues aos times. A Porsche teve de parar um teste privado por conta disso e chegou a ameaçar não ir à pré-temporada, em Valência, temendo pela segurança dos pilotos.

Bateria e montagem dos chassis ainda eram dúvidas grandes. O Gen3 é o primeiro carro da Fórmula E a contar com trem de força dianteiro, mas a reclamação dos pilotos durante os testes foi que impactos com a parte da frente do carro faziam o trem de força machucar demais o chassi. Além disso, a categoria entregou pouquíssimos componentes reservas para as equipes trocarem em caso de problemas, algo que podia tirar pilotos de corridas até com batidas moderadas num treino livre.

A Fórmula E afirmou que a quantidade das chamadas spare parts, os componentes reservas, por assim dizer, seriam entregues em maior quantidade ao longo do ano.

Todas as dificuldades, porém, dribladas com a capacidade de fazer cumprir uma visão que ficou claramente comprovada. Se há um ano, um texto como este, da abertura do guia da Fórmula E para 2023, dizia que o mais importante da temporada era mostrar se a Fórmula E tinha uma trilha clara para a qual retornar após anos em que parecia à deriva, essas dúvidas acabaram.

Sempre há, evidentemente, coisas do campo esportivo que podem e devem ser melhoradas e resolvidas. Isso é normal. No eP de Roma, por exemplo, a Fórmula E quase passou por um constrangimento de ver gente fora do grid de largada da segunda corrida pela ausência de componentes reservas para os carros após uma série de acidentes no sábado. Com habilidade, costurou uma solução entre equipes e Spark, fabricante dos chassis, e escapou. Mas é preciso contar com mais spare parts.

Um ponto, porém, é mais sério. O Attack Charge é uma questão que precisa ser resolvida, ou, ao menos, melhor tratada e esclarecida, urgentemente. Para quem ainda não liga o nome à função, o Attack Charge é a recarga rápida, uma ideia mirada pela Fórmula E há muitos anos. Desde que a categoria saiu do papel, na realidade.

O problema sempre foi o mesmo: a tecnologia ainda precisaria ser inventada e tirada do papel. Lembra um pouco quando o diretor de cinema James Cameron, responsável pelos dois primeiros filmes da franquia ‘Exterminador do Futuro’, ganhou um sem número de premiações ao realizar ‘Titanic’, em 1998, e recebeu carta branca para tocar o próximo projeto, qualquer que fosse. O desejo era fazer um filme que havia começado a desenhar anos antes, chamado ‘Avatar’. Uma ficção científica realizada basicamente à base de imagens computadorizadas.

Só que, apesar da boa vontade do estúdio, Cameron estava de mãos atadas: a tecnologia necessária para colocar na tela a visão do diretor ainda não existia. Seria necessário inventar, e, em 1999, o projeto do filme caiu por terra. Cameron passou a década seguinte trabalhando ao lado de desenvolvedoras da tecnologia do chamado CGI (Imagens Geradas por Computador, na sigla em inglês) para fazer com que chegasse ao ponto necessário. Finalmente, ‘Avatar’ foi lançado em 2009 e se tornou um ‘case’ de tecnologia, além de ultrapremiado e dono da maior bilheteria da história do cinema em números brutos. Se hoje os filmes de heróis e afins podem construir mundos de CGI é graças ao trabalho de Cameron para levar a cabo o projeto ‘Avatar’.

‘Avatar’: o exemplo do cinema para a Fórmula E (Foto: Divulgação)

É isso que a Fórmula E sempre quis com o Attack Charge: trazer a tecnologia de recarga ultrarrápida à existência com o desenvolvimento voltado para a competição. E é uma ideia louvável, mas é fácil, no âmbito esportivo, transformar ideias arrojadas em chacota. Não que isso tenha acontecido com a categoria dos carros elétricos e sua recarga ainda, mas o perigo é real.

Vamos ao funcionamento. O Attack Charge é visto na Fórmula E como possibilidade de substituir o modo ataque tradicional. O artifício consiste em um pit-stop obrigatório de 30 segundos, que desbloquearia dois períodos de modo ataque — nos quais a potência do Gen3 aumenta de 300 kW para 350 kW.

Inicialmente, a programação era estrear em 2023, mas, conforme o trabalho ia sendo arquitetado, ficava claro que não estaria pronto para o começo do ano e tampouco tinha possibilidade de ser usado mais de 15 vezes num espaço de seis meses. Era necessário tempo e muitos testes mais.

A meta mudou: utilizar o Attack Charge em três corridas de 2023, selecionadas a dedo. Mas a Williams Advanced Engineering estava concentrada em resolver a confiabilidade da nova bateria, algo que preocupou equipes e pilotos desde os testes coletivos de pré-temporada, ainda no fim de 2022.

O ano foi seguindo e as informações rarearam: o Attack Charge se tornou motivo de silêncio sepulcral e nenhuma informação até que, antes do eP de Roma, penúltimo fim de semana do campeonato, veio a confirmação de que não haveria uso da recarga em 2023. Ficaria para 2024, mas, uma vez mais, faltava o esclarecimento de quantas vezes e de que maneira.

Na pré-temporada, organizada em outubro passado, Williams e Fórmula E distribuíram oito pontos de recarga para as 11 equipes. Os números eram insuficientes e, portanto, foi decretado um rodízio de pontos entre equipes para os três dias de testes. O que cada uma achou e quais foram os resultados? Uma vez mais, absoluto silêncio.

A categoria deixou no ar que usaria ao longo do ano, mas o silêncio virou informação distribuída discretamente que haverá um teste extra durante o treino livre do eP da Cidade do México, abertura do campeonato. Mas ainda não há qualquer esclarecimento sobre quando será possível, se será possível, e se há material o suficiente para realizar a recarga ultrarrápida em 2024.

Fosse informação amplamente martelada que o Attack Charge não é apenas uma novidade no modo de corrida, mas um ousado empreendimento tecnológico de altíssima tecnologia tirado do mais absoluto vácuo para se tornar algo real, as cobranças seriam moduladas e minimizadas. A categoria, porém, colocou-se em posição de ser cobrada por algo prometido para se tornar tão fundamental no fluxo das corridas. Agora, precisa entregar logo.

O Attack Charge em teste pela ERT na pré-temporada (Foto: LAT/Fórmula E)

É a grande exigência e a maior necessidade da temporada atual, contando que a toada vista em 2023 se mantenha. Mas é uma dúvida bem menor que aquela de um ano atrás. A Fórmula E pode voltar a respirar um pouco mais tranquila pela primeira vez desde pelo menos novembro de 2019, quando começou aquela temporada que terminaria em meio à pandemia. A Fórmula E está nos trilhos.

A temporada 2023/24 da Fórmula E está marcada para começar no dia 13 de janeiro, com o eP da Cidade do México, no Autódromo Hermanos Rodríguez. A categoria ainda passa por DiriyahSão PauloTóquioMisanoMônacoBerlimXangaiPortland e Londres. O GRANDE PRÊMIO é emissora oficial e transmite TODAS AS ATIVIDADES DE PISTA da temporada AO VIVO e COM IMAGENS.

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