Opinião GP: F1 respira com belo GP de Las Vegas, mas não apaga fiasco inicial e descaso

O GP de Las Vegas sofreu uma rara reviravolta na Fórmula 1. A agitada corrida do domingo serviu com uma espécie de redenção e foi o ponto alto de um fim de semana em que a maior categoria do esporte a motor novamente flertou bem com o perigo e quase colocou um alto investimento por água abaixo

É IMPORTANTE RECONHECER: o GP de Las Vegas de Fórmula 1 foi um espetáculo. Houve disputa de verdade pela liderança, particularmente nas voltas finais, pega que valeu a segunda posição quase na linha de chegada, batidas, confusão, intervenção do safety-car, inúmeras ultrapassagens, corridas de recuperação… Ufa! É justo dizer que houve etapas neste ano que sequer preencheram dois desses itens citados, e o resultado surpreendeu, da Ferrari ao próprio Max Verstappen, que começou o fim de semana só querendo se enfiar no bueiro aberto por Carlos Sainz de tanta vergonha alheia e terminou fazendo juras de amor e “não vendo a hora de voltar”. Sim, a corrida entregou tudo neste domingo (19), o traçado se mostrou mais divertido do que o esperado inicialmente, e isso faz valer a entrada da icônica cidade no calendário.

Só que há muito o que falar sobre essa terceira passagem da temporada pelos Estados Unidos. Apesar de todo o esforço e expectativa em emplacar a magnética etapa, simplesmente não dá para fechar os olhos para todos os outros ‘shows’ que a Fórmula 1 proporcionou em Las Vegas. E isso muito antes dos carros ganharem a famosa Strip. Se o público nas arquibancadas foi recompensado com uma das melhores corridas do ano, os residentes só queriam que o domingo terminasse. Desde o início das obras para receber a etapa da F1, a rotina dos moradores se viu comprometida. Desvios no trânsito, acesso a pontos turísticos bloqueados, caos para se chegar ao trabalho foram alguns dos problemas relatados por quem conhece Las Vegas no íntimo. Por mais que a ‘Cidade do Pecado’ seja reconhecida por seu glamour e badalação, há vida comum ali como em qualquer outro lugar.

“A Fórmula 1 não conseguiu entender tudo sobre Las Vegas e a Strip. Ela apenas vê as ruas no mapa, os quartos de hotel a serem alugados e os dólares ganhos. Las Vegas pode ser diferente de qualquer outra cidade, mas ainda é como qualquer outra em muitos aspectos. As pessoas vivem aqui, trabalham aqui, criam os filhos aqui e vivem suas vidas. A F1 simplesmente não se importa.”

Foram algumas das queixas ouvidas durante a semana pré-evento.

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É verdade que ao menos para a população local, o Liberty Media, responsável pelo GP, preocupou-se em pedir desculpas, porém sob a alegação de que todo o transtorno seria, no fim, para o bem da própria cidade. Além da movimentação financeira, as estradas usadas pela categoria ainda seriam entregues totalmente recapeadas. Quer coisa melhor que isso? (Contém ironia).

Então, chegou o fim de semana tão esperado. A F1 abriu os trabalhos com um grande show, que dividiu opiniões. Mas isso nada tem a ver com o vexame que aconteceria na noite seguinte. É claro que, para mergulhar no espírito da cidade que não dorme, os treinos livres foram marcados para as 20h30 e meia-noite, no horário local. O TL1 não chegou nem aos 10 minutos. Tudo por conta de uma tampa de bueiro mal instalada. Diante da expectativa da passagem de carros que voam baixo a mais de 300 km/h, o que poderia dar errado, não é mesmo?

E aqui, a crítica se faz não só para a Fórmula 1, mas especialmente para a FIA (Federação Internacional de Automobilismo), porque é inconcebível pensar que a entidade que deveria prezar pelo esporte deixou passar todos os defeitos e possíveis problemas deste circuito — e chama a atenção também por ao menos duas razões: a primeira, as falhas que aconteceram no fim de semana são altamente previsíveis em traçados urbanos, então uma vistoria minuciosa já teria sido suficiente; e a segunda: é a terceira vez que a F1 se depara com falhas em circuitos por conta de uma liberação desastrada: Catar, com suas zebras piramidais, e Interlagos, com parafusos, são os exemplos mais recentes.

Ainda, o episódio da tampa de bueiro que se soltou do chão após Sainz passar na reta em alta velocidade não pode, sob hipótese alguma, ser encarado como normal só porque houve incidente semelhante no passado, como alguns tentaram se convencer. Mas o que agrava o fato que envolveu o piloto da Ferrari foi toda a série de acontecimentos a partir dali. O carro sofreu danos irreparáveis, e a equipe precisou substituir os chassis, o motor, a caixa de câmbio e bateria. Tudo apressadamente, sem contar que, muito provavelmente, isso tenha minado uma chance maior de vitória dos ferraristas, dada a história da corrida.

Não foi um dia de treinos normal para a F1, mas poderia ter sido evitado (Vídeo: Reprodução)

Como se não bastasse, toda as mudanças conduzidas pela Ferrari provocaram uma sanção por conta do uso além do permitido de componentes da unidade de potência. Mas o espanhol foi realmente punido sem piedade. E aqui também é importante dizer: é claro que regras são regras, mas as quebras não aconteceram por falha do carro ou confiabilidade. O circuito, que deveria apresentar condições mínimas de segurança, foi o responsável direto pelo incidente. Ainda assim, a mesma FIA, que deveria cuidar, preferiu punir.  

Pior: o espanhol revelou depois a Verstappen que ficou “sem sentir as pernas por alguns segundos“. Impossível alguém achar isso normal ou do jogo.

Portanto, uma tragédia muito maior poderia ter ocorrido, mas Fórmula 1 e FIA optaram pelo show de negligência. E é importante relatar também que, pouco antes da largada, houve um vazamento de óleo, depois de uma quebra de um carro do desfile dos pilotos. A organização correu para jogar um pó químico usado comumente para neutralizar o efeito do óleo no chão, mas a pista ficou comprometida naquele trecho da reta principal para quem largava sobretudo em posições pares. O caso também foi alvo de críticas dos pilotos.

E como desgraça pouca é bobagem, ainda houve um total desrespeito com os torcedores que ficaram até o fim naquela madrugada da sexta-feira, aguardando o interminável atraso para o início do TL2 enquanto a pista era reparada. Muitos só tinham ingressos para aquele único dia. Só queriam ser parte da festa, mas foram tratados como penetras descobertos pela segurança. Foram “convidados a se retirar”.

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Por causa da quebra de um carro do desfile dos pilotos, muito óleo vazou na pista, pouco antes da largada do GP de Las Vegas (Foto: Reprodução)

Um descaso total que tentou ser recompensado com um voucher em compras na loja oficial do GP no valor do ingresso. Convertendo para a nossa moeda, cerca de R$ 1 mil, que não pagaria nem um casaco oficial da F1, se esse fosse o desejo do fã.

A organização da corrida, na pessoa do CEO do evento, Renee Wilm, e de Stefano Domenicali, chefão da F1, emitiu um gigantesco comunicado sobre os fatos da madrugada de sexta-feira aqui no Brasil, mas dessa vez, nenhuma das 649 palavras ali escritas era ‘desculpa’, pelo contrário: ao praticamente exigir que houvesse compreensão da parte dos fãs, pois “outros eventos já foram cancelados”, só expõe a faceta da soberba que ainda impera na categoria.

Tudo sobre Las Vegas, pois, foi um show de arrogância, que infelizmente surpreende um total de zero pessoa. Por sorte, a melhor parte acabou sendo o que realmente interessa: o esporte, genuíno como poucas vezes foi na temporada 2023. Num dos piores campeonatos de sua rica história, a F1 foi brindada por um GP de Las Vegas que será lembrado como um dos melhores do ano. Mas apenas na pista.

Fórmula 1 retorna na semana que vem, entre os dias 24 e 26 de novembro, com o GP de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, 22ª e última etapa da temporada 2023. O GRANDE PRÊMIO acompanha tudo.

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