Retrospectiva 2024: FIA ferve nos bastidores e fecha ano em guerra com pilotos na Fórmula 1

A Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e a Fórmula 1 até viveram uma temporada de menos tensão em 2024, mas a trégua não durou até o fim. A entidade que rege o esporte decidiu abrir fogo contra os pilotos e promoveu uma série de mudanças, do corpo diretivo à abordagem em pista. E isso reacendeu rusgas antigas e criou outras, que certamente serão levadas para 2025

A FIA (Federação Internacional de Automobilismo) e a Fórmula 1 atravessaram 2024 tentando driblar as divergências em um ano um pouco menos tumultuado, mas a aparente trégua não durou até o final da temporada. Isso porque a entidade máxima, na pessoa do mandatário Mohammed Ben Sulayem, decidiu entrar em guerra contra os pilotos e ainda promoveu uma série de alterações em seu quadro que deixou mais perguntas do que respostas sobre os planos para o futuro do esporte, o que abriu um precedente perigoso em um novo capítulo da sempre delicada relação entre o órgão que rege as competições e a maior das categorias.

Importante dizer ainda que o ano começou com uma derrota doída para a federação, o que também explica o clima mais sereno com a entidade nos primeiros meses de 2024. É que, ainda em janeiro, a F1 optou por rejeitar a entrada da Andretti, diante da justificativa de que o projeto liderado por Michael e a Cadillac, além da própria GM, não agregava valor ao grid. A decisão encontrou críticas severas e foi sentido por Ben Sulayem, que apoiou e aprovou a candidatura da Andretti. Mais tarde, depois da saída do ex-piloto do comando da empresa que leva seu nome, o Mundial voltou atrás e aprovou a entrada — porém, o movimento não apagou o mal-estar criado entre a FIA e a Fórmula 1.

De toda a forma, a temporada seguiu sem grandes embates públicos direitos, mas o mesmo não se pode dizer sobre os bastidores, que seguiram quentes, porque uma sequência de demissões na federação chamou a atenção e estampou manchetes mundo afora. Além disso, o próprio presidente foi alvo de uma investigação por manipulação de resultados — o dirigente foi acusado de interferir junto à direção de prova no GP da Arábia Saudita de 2023.

O mandatário teria tentado reverter uma punição de 5s dada ao espanhol Fernando Alonso, da Aston Martin. O piloto foi punido por alinhar o carro fora do colchete na largada. Ao pagar a punição durante um pit-stop, recebeu uma nova sanção, agora de 10s, pelo entendimento de que a equipe tocou no carro para reparos antes do tempo total da punição anterior ser cumprido. Além desse caso, o dirigente também foi denunciado por tentar barrar o aval para a pista de Las Vegas. No fim, o presidente foi inocentado das duas acusações.

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Mohammed Ben Sulayem acabou inocentado após investigação na FIA (Foto: AFP)

Em paralelo, a FIA sofria com a debandada de nomes importantes do corpo diretivo, como Natalye Robin, antiga CEO, que deixou a entidade após questionar o profissionalismo da gestão de Sulayem, incluindo questões financeiras no gabinete do presidente. Bertrand Badre e Tom Purves, ambos do comitê de auditoria da federação, foram demitidos após investigarem o “fundo do presidente”, um suposto valor movimentado de US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 9 milhões pela cotação atual) para pagar clubes membros que votam diretamente na eleição da FIA.

Paolo Basarri, diretor de compliance do órgão, também foi demitido. Ele foi o responsável por compilar o relatório com as acusações em cima de Sulayem no comitê de ética. O presidente “perdeu confiança” no italiano — foi a explicação. O desmantelamento seguiu firme ao longo do ano. Nos últimos meses do ano, Tim Mayer foi dispensado do posto de comissário-chefe da Fórmula 1. Filho de Teddy Mayer, cofundador da McLaren, era um dos principais comissários da FIA, além de atuar como delegado da federação nos Estados Unidos. Steve Nielsen (ex-diretor-esportivo), Tim Gross (ex-diretor-técnico), Pierre Ketterer e Edward Floydd (ex-membros da área jurídica) são outros exemplos das baixas sofridas. Também entra na lista alarmante as demissões de Deborah Mayer, chefe da comissão de esporte a motor para mulheres, e a de Janette Tan, que havia sido empossada como diretora de prova da F2.

Mas nada foi tão chocante quanto a saída de Niels Wittich da direção de prova da Fórmula 1 já na reta final de 2024, logo depois do GP de São Paulo. Wittich foi dispensado do cargo com o campeonato ainda em andamento, algo raro de acontecer e que abriu margem para discussão sobre as decisões da FIA. Ainda mais porque, no dia em que comunicou a saída do diretor, a nota da entidade dizia que ele havia deixado o posto para “seguir outras oportunidades”. No entanto, o alemão informou à imprensa de seu país que não pediu demissão.

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Niels Wittich acabou trocado depois do GP de São Paulo de F1 (Foto: FIA)

As queixas sobre perseguição e mágoas sobre as ações do presidente da FIA também ganharam espaço na mídia, bem como o questionamento dos pilotos, cada vez mais insatisfeitos com a gestão. Tão descontentes que formalizaram uma carta ao mandatário, em que pediram para serem tratados como adultos e ainda exigiram que o dirigente também tivesse cuidado com o “tom e a linguagem” para abordar o assunto, depois das críticas de Lewis Hamilton, que apontou “elementos raciais e falas estereotipadas”. Além disso, o documento trouxe uma cobrança sobre o destino das multas que são aplicadas — esse tópico já havia sido motivo de polêmica, quando a federação decidiu aumentar os valores significativamente neste ano.

O protesto dos astros do grid se converteu em um novo episódio da mais do que desgastada relação entre FIA e F1. E foi uma resposta dura contra a decisão de Ben Sulayem em punir Max Verstappen e Charles Leclerc sobre uso de palavrões — o neerlandês também entrou em um confronto com o dirigente, quando decidiu atender aos jornalistas fora da sala de entrevistas.

Como forma de rebater a iniciativa e as cobranças, a federação decidiu endurecer as punições em corridas e mudou de maneira abrupta a abordagem de incidentes de pista. Embora o GP da Cidade do México tenha dado sinais sobre essa nova orientação — a etapa ainda estava sob o comando de Wittich —, foi no Catar que a F1 se deu conta realmente dessa transformação. É claro que a alteração da direção de prova também chamou a atenção dos pilotos, que passaram a questionar fortemente, especialmente George Russell, que preside a GPDA (Associação dos Pilotos de Grandes Prêmios).

O posicionamento irritou o presidente da FIA. Em entrevista à revista inglesa Autosport, Ben Sulayem disparou contra os competidores e afirmou que não deve nada a pessoas que estejam fora da federação. A postura autoritária e arrogante repercutiu, mas o dirigente não parou por aí. Como último ato do ano, a entidade ainda aprovou uma polêmica mudança no estatuto que reduz o poder dos comitês de ética e auditoria, dando mais autonomia e poder ao presidente.

George Russell foi uma das vozes mais críticas à gestão do presidente da FIA (Foto: AFP)

Portanto, mais uma vez, a FIA fecha uma temporada ainda nos holofotes, mas sob controversos pretextos em um caminho preocupante, o que já recoloca a Fórmula 1 em alerta.

Fórmula 1 está oficialmente de férias e dá adeus a 2024. A próxima atividade é a sessão de testes coletivos de pré-temporada, marcada para os dias 26, 27 e 28 de fevereiro, no Bahrein. A temporada 2025 começa com o GP da Austrália, entre os dias 14 e 16 de março.

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