Como violinista do Titanic, Aprilia espera por Iannone enquanto naufraga na MotoGP

A casa de Noale optou por esperar pelo julgamento por doping no Tribunal Arbitral do Esporte antes de decidir quem será o companheiro de Aleix Espargaró a partir do próximo. Mas a disponibilidade de Andrea Dovizioso no mercado coloca ainda mais em xeque essa opção

É até fofo que a Aprilia aposte na inocência de Andrea Iannone e siga a espera de um piloto que está suspenso por doping pela FIM (Federação Internacional de Motociclismo) por 18 meses, mas é também imprudente. Ainda mais tendo opções com currículos mais recheados no mercado.

Desde que voltou à MotoGP como fábrica, em 2015, a Aprilia praticamente não deixou a lanterna da classificação. Com exceção do primeiro ano, quando a classe rainha do Mundial ainda contava com as fracas Forward e ART, a casa de Noale foi sempre a última colocada na tabela, o que não mudou nem mesmo com a chegada da KTM em 2017.

Apesar de explorar um novo território, a fábrica austríaca conseguiu evoluir muito mais rápida e efetivamente. O primeiro pódio veio ainda em 2018, no GP da Comunidade Valenciana com Pol Espargaró, e a primeira vitória chegou na terceira corrida deste ano, com o estreante Brad Binder no GP da Tchéquia. Em 2020, enquanto a casa de Mattighofen ocupa o terceiro posto da tabela, com 57 pontos, os italianos de novo têm o sexto e último lugar, com só 16.

Andrea Iannone disputou apenas uma temporada com a RS-GP (Foto: Aprilia)

É fato conhecido que a KTM conta com mais recursos financeiros para investir no projeto da MotoGP, mas é igualmente notável que a Aprilia construiu para si um histórico de decisões erradas. Em seis temporadas, já foram nove pilotos diferentes a assumirem o comando da RS-GP: Álvaro Bautista e Marco Melandri foram os titulares originais, mas o italiano, que sequer queria voltar à categoria, foi dispensado após o GP da Holanda. Então piloto de testes, Michael Laverty assumiu o protótipo na Alemanha e, depois, deu lugar a Stefan Bradl, que foi liberado pela Forward para vestir o uniforme italiano a partir de Indianápolis, décima etapa da temporada. Para 2017, a mudança foi total, com a chegada de Aleix Espargaró e Sam Lowes. O britânico, estreante na categoria, teve o contrato rompido na metade para dar lugar a Scott Redding no ano seguinte. Hoje no Mundial de Superbike, o britânico que corre com o #45 tampouco deu certo com a moto e acabou abrindo espaço para Iannone, que vinha da Suzuki.

Também é verdade que os italianos procuraram se reforçar com a chegada de Massimo Rivola. Mas é preciso lembrar que o dirigente veio da Fórmula 1 e necessitou de um tempo para aprender sobre o novo mundo. Assim, 2020 é o primeiro ano em que o impacto do ex-Ferrari pode verdadeiramente ser sentido.

Na pré-temporada, Aleix se mostrou mais do que feliz com a melhora da moto, ainda que o déficit de potência continue sendo significativo. Os resultados, porém, tampouco fazem jus à animação mostrada no início do ano, até pela ausência de Iannone, que acabou substituído por Bradley Smith, o piloto de testes.

O grande problema, todavia, é que a ausência de Iannone sequer tem data para acabar. Suspenso desde dezembro passado por testar positivo para o esteroide anabolizante drostanolona, Andrea se diz inocente e, por isso, recorreu ao Tribunal Arbitral do Esporte. A fé da Aprilia, no entanto, pode não ser suficiente para que a corte acate o argumento de que a contaminação se deu por vias alimentares, ainda mais com entrada da Agência Mundial Antidoping no caso.

Em uma entrevista recente, Rivola confirmou que a Aprilia tem um único plano: esperar Iannone. De acordo com o dirigente, o piloto de Vasto reuniu uma competente equipe de defesa e, por isso, confia na reversão da pena no julgamento apenas marcado para 15 de outubro. O próprio diretor-executivo, porém, cita um “importante poder político” da WADA, a mesma agência que quer um gancho de quatro anos.

E o caso de Iannone não é exatamente simples. O italiano alega que foi contaminado por conta de uma carne que comeu na Ásia, mas além de nenhum outro dos pilotos também avaliados no GP da Malásia ter testado positivo, especialistas ouvidos pelo GRANDE PREMIUM também apontam que, ainda que um animal tenha sido tratado com esteroides, o intervalo de tempo entre a aplicação da droga e o abate ― já que são necessários alguns meses para que o crescimento muscular aconteça ― seria suficiente para a eliminação de vestígios que pudessem contaminar o ser humano.

É preciso lembrar também que o currículo de Iannone não é daqueles que alucina dez entre dez headhunters. Em sete temporadas na MotoGP, o italiano que corre com o #29 acumulou uma vitória ― em 2016 com a Ducati na Áustria ―, duas poles e 11 pódios. Com a Aprilia, o melhor resultado foi um sexto lugar no GP da Austrália, mas, mesmo assim, fechou o ano atrás de Aleix na classificação: foi 16º contra o 14º posto do catalão.

Mas, mais do que isso, também não é como se a Aprilia não tivesse opções. Cal Crutchlow está no mercado desde meados de julho, quando foi dispensado pela HRC, que vai rebaixar Álex Márquez do time de fábrica da Honda para acomodá-lo na estrutura satélite de Lucio Cecchinello. E, desde o último fim de semana, é Andrea Dovizioso quem está ‘solto na pista’, já que comunicou para a Ducati que não tem intenção de renovar o contrato.

Vice-campeão da MotoGP no últimos três anos, o piloto de Forli provou na Ducati ser um piloto extremamente capaz e, mais do que isso, alguém que pode ajudar no desenvolvimento. Seria um passo e tanto em relação ao plantel que a Aprilia já teve em mãos. O próprio Aleix, aliás, já saiu em campanha pela contratação de Andrea, mesmo ciente que a fábrica talvez não tenha os recursos financeiros para pagar o hoje companheiro de Danilo Petrucci.

Por mais que valha algum ponto no quesito lealdade, insistir em Iannone é um erro de uma Aprilia que insiste em tocar violino enquanto vê o navio afundar. Tal qual no clássico filme Titanic, a casa de Noale tem uma porta para subir a espera do resgate. Resta saber se ela vai sair do mar como a personagem de Kate Winslet ou permanecer na água congelante como determinou o papel de Leonardo DiCaprio.

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