Falta componente Mundial, mas ‘EuroMotoGP’ é melhor que tem para hoje

Em meio à pandemia do novo coronavírus, a Dorna ficou sem muitas alternativas para compor o calendário de 2020. Assim, melhor focar num único continente do que acabar sem campeonato

Tem nome, aparência, status e até cara, mas a temporada 2020 da MotoGP não será exatamente um Mundial. Afinal, como bem diz o dicionário, Mundial se refere ao mundo, e, com a programação divulgada até aqui, o certame não sairá das fronteiras europeias. Assim, é praticamente uma Copa Libertadores da Europa, se é que você me entende.

É verdade que isso ainda não está 100% sacramentado. Os GPs de Tailândia, Américas, Argentina e Malásia não foram cancelados, mas estão atrelados à presença de público, algo um pouco difícil de imaginar em meio à pandemia ― ao menos em lugares com contam com governantes razoáveis, preocupados com a saúde da população e não apenas com agendas políticas próprias.

Mas, ainda que as quatro corridas sejam canceladas, não é como se a MotoGP tivesse lá muitas opções. A temporada 2020 não está sujeita aos desejos da Dorna. Realizar um campeonato esportivo em meio ao cenário provocado pelo novo coronavírus depende muito mais de políticas públicas. E cada país vai definir o que é mais conveniente para conter o avanço da COVID-19 entre suas fronteiras.

Assim, não dá para dizer que a Dorna fez a opção de correr apenas na Europa. Ela não tinha lá grandes alternativas. Quer um exemplo? Por que mesmo que a classe rainha não pôde correr no Catar, no início de março? Sim, pois os italianos ― ou qualquer um que tivesse passado pela Itália ― não podiam cruzar a fronteira catari sem uma quarentena de 14 dias. E restrições como essa seguem valendo, em maior ou menor grau, em muitos países.

MotoGP 2019 Japão Motegi
GP do Japão vai ficar de fora da temporada 2020 da MotoGP (Foto: Repsol)
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Não faz muito tempo, a KTM não pôde testar com Brad Binder no Red Bull Ring, pois ele estava ‘preso’ na África do Sul. A fábrica de austríaca precisou apresentar uma documentação comprovando o vínculo empregatício para que o #33 pudesse voltar à Europa para trabalhar.

Dias atrás, Johann Zarco precisou de uma documentação fornecida pela Dorna para poder entrar na Espanha e treinar em Montmeló. Yamaha, Honda e Suzuki têm problemas para levar seus funcionários do Japão para a Europa. Quem está na Austrália, como Jack Miller e alguns mecânicos de Valentino Rossi, por exemplo, tampouco podem deixar o país livremente.

Hoje, a MotoGP tem um novo calendário para 2020, mas isso não significa que será fácil cumpri-lo. Focar na Europa reduz uma série de dificuldades, mas ainda restam muitas pelo caminho. O Mundial de Motovelocidade precisa correr, especialmente por conta da saúde financeira das equipes menores ― uma vez que a Dorna não tem uma capacidade ilimitada de financiamento ―, então a competição continental é, basicamente, o único cenário disponível.

Aí você pode dizer: mas a Fórmula 1 não vai ficar só na Europa! Verdade. Mas a série comandada pelo Liberty Media não foi exatamente prudente na abordagem à pandemia do novo coronavírus. Digamos que a MotoGP gosta um pouquinho mais de ficar com os pés no chão.

Calendário denso

Não serão poucas as dificuldades para que a temporada 2020 aconteça, mas a principal delas talvez seja a própria formatação do campeonato. Com a programação confirmada até aqui, serão 13 etapas no intervalo de 18 fins de semana. No ano passado, em comparação, foram 19 GPs distribuídos por 37 semanas.

Essa compactação das provas representa dificuldades de toda sorte: físicas, mentais, de logística e também mecânicas.

Imagine, por exemplo, o que acontece com um piloto que sofrer uma lesão com uma recuperação um pouco mais prolongada ― o que, é preciso lembrar, não é incomum no motociclismo? Game-over é, basicamente, a resposta.

“Vai ser um calendário diferente, o único que pode seguir adiante nesta situação extraordinária. Nós teremos corridas seguidas no mesmo circuito e menos GPs, mas acho que o mais importante neste tipo de campeonato é terminar as corridas e encarar corrida a corrida. Nós teremos de ser muito cuidados com as quedas e lesões, porque, com um campeonato tão apertado, uma lesão pode significar que você fica fora de muitas corridas”, comentou Fabio Quartararo.

Em 2019, por exemplo, foram 220 quedas só na classe rainha, a maioria delas de Johann Zarco, que caiu 17 vezes apesar de não ter disputado todas as corridas. Jack Miller, Francesco Bagnaia, Marc Márquez e Karel Abraham completam o top-5 dos capotes.

Das 971 quedas registradas no Mundial de Motovelocidade no ano passado, 45,7% aconteceram nos circuitos que vão compor a programação deste ano. Le Mans, na França, aliás, foi o recordista, com 90 quedas num fim de semana de treinos na chuva e corridas em pista seca.

Mas esse não é o único problema físico. Os pilotos terão menos tempo de recuperação, mas digamos que isso pode ser deixado de lado por conta do histórico de atleta. Os mecânicos não dispõem do mesmo preparo físico e, mais do que isso, estarão sobrecarregados, já que entre as medidas sanitárias adotadas para lidar com a pandemia está, justamente, a redução de pessoal nas equipes.

Além disso, o próprio deslocamento de um circuito ao outro deve acontecer de forma mais ‘old-school’: por via rodoviária. E isso também cansa.

Políticas imigratórias

Ao redor do globo, vários países mantêm restrições de entrada de cidadãos originários ou que tenham passado por locais onde a contaminação pelo novo coronavírus segue descontrolada. Brasileiros, por exemplo, estão impedidos de entrar nos Estados Unidos e no Japão.

O Japão, aliás, já encerrou o estado de emergência, mas mantém o alerta em relação às viagens para a Europa. A Austrália, por sua vez, não permite muitas viagens internacionais.

E estes dois países afetam diretamente a MotoGP. No caso do Japão, Yamaha, Honda e Suzuki têm problemas para contar com seus funcionários na Europa. A equipe de Valentino Rossi e Maverick Viñales também sofre com as limitações impostas pela Austrália, já que integrantes do time do #46 estão no país.

“A maior preocupação da Yamaha está no movimento dos membros australianos e japoneses para a Europa”, contou Lin Jarvis, diretor da Yamaha, em entrevista à publicação alemã Speedweek. “No momento, eles não podem entrar no nosso continente, mesmo que tenham feito testes que garantam que estão negativo para o vírus. Há alguns dias, no entanto, a Austrália permitiu exceções ditadas por razões importantes com propósitos profissionais. Portanto, vamos encaminhar nosso pedido”, explicou.

“Só vamos participar do Mundial se encontrarmos uma solução, especialmente em relação à possibilidade de nossos engenheiros japoneses comparecerem ao GP. Se eles não puderem vir, teremos uma considerável dificuldade para participar das corridas”, declarou. “Esse é o caso para nós, mas também para Honda e Suzuki. Tudo isso levaria a uma vantagem injusta para as equipes europeias, que participariam das corridas com o staff completo. Nosso temor é que, se essa situação não foi solucionada, tudo isso comprometa seriamente a nossa participação no Mundial”, encerrou.

Mas não é só isso. Também existem barreiras relacionadas ao tempo de permanência de estrangeiros em territórios signatários do Tratado de Schengen ― todos os integrantes da União Europeia, exceto Irlanda e Reino Unido, mais Islândia, Noruega, Listenstaine e Suíça. Pelo acordo, nativos de outros países podem passar 90 dias nesses territórios. Mas, entre a primeira corrida, em Jerez, e a última, em Valência, o intervalo é de pouco mais de 120.

“Nenhuma pessoa de um estado de fora da União Europeia pode passar mais de 90 dias na área Schenhen em um período de seis meses. Se você ficar aqui por 92 dias, é ilegal. É uma condição na qual talvez uma única pessoa possa estar envolvida. Mas, como uma companhia global, a Yamaha deve seguir rigorosamente todas as leis. Portanto, não vamos correr nenhum risco nesta área. Na política da nossa companhia, cumprir as leis é prioridade máxima. Uma companhia como a Yamaha não vai fazer nada que não cumpra a lei. Ponto final”, avisou Jarvis.

Só que este é um problema que as empresas não podem resolver sozinhas. Uma vez que a Dorna negocia com os governos locais para poder fazer suas corridas, cabe à promotora também tentar buscar um meio termo.

De qualquer forma, a Yamaha está certa em pressionar. Afinal, em se tratando de esporte ― e da vida em sociedade, em geral ― é preciso eliminar as vantagens e nivelar o campo de jogo. Para que a competição seja justa como deve ser, é preciso que todas as equipes tenham a mesma oportunidade, ou seja, contarem com a presença de seus funcionários. Venham eles da Austrália, do Japão ou de onde quer que seja.

Antes do início da temporada, as fábricas trabalham na produção de suprimentos, formando um estoque. Afinal, não vai ser tão fácil despachar equipamentos de um lado para o outro em um curto período de tempo.

Ou seja…

2020 será um ano de muitos desafios. Muito além das dificuldades comuns do Mundial de Motovelocidade. Ficar apenas na Europa e, especialmente, sem corridas com Holanda e Itália, tira um pouco da graça da disputa, é verdade. Mas o coronavírus não é exatamente conhecido por pedir a opinião das pessoas em seu ‘plano’ para conquistar o mundo.

A Dorna fez o que dava com as ferramentas que tinha a mão. Vai ser a melhor temporada da história? Provavelmente, não. Mas, como dizem por aí, é o que tem para hoje.

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