MotoGP até cresce, mas ganhar terreno no campo global vai além de novo formato

A iniciativa da Dorna de introduzir as corridas sprint em todas as etapas da MotoGP resultou em um impacto positivo na audiência televisiva e no público nos circuitos. Mas é preciso ir além para levar o Mundial de Motovelocidade a um novo público

A mudança de formato, com a adoção de corridas sprint em todas as etapas, teve o efeito desejado pela Dorna: aumentou o público nos autódromos e audiência televisiva. Mas se o balanço foi positivo, uma coisa também não se pode negar: fazer do Mundial de Motovelocidade um produto ainda mais global vai além da configuração da disputa.

O principal campeonato da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) não tem um problema de competitividade. Mesmo uma temporada dominada pela Ducati, como foi a de 2023, viu a disputa pelo título chegar à última corrida, graças ao confronto direto entre dois representantes da marca de Borgo Panigale. Francesco Bagnaia assegurou o bicampeonato, com Jorge Martín ficando com o vice.

E, diferente do que acontece em outros campeonatos, como a Fórmula 1, por exemplo, Dorna e FIM buscaram medidas para que o domínio da Ducati não se estenda por um longo período — contando, inclusive, com o apoio dos Construtores. O novo sistema de concessões é uma maneira de restaurar a competitividade de Yamaha e Honda e, assim, tornar o campeonato ainda mais plural.

No campo esportivo, quase não há o que melhorar — exceto, certamente, a postura por vezes incompreensível e normalmente pouco imparcial do Painel de Comissários da FIM. Mas é preciso trabalhar em outras áreas para que o campeonato possa aumentar o alcance.

MotoGP precisa se comunicar melhor (Foto: KTM)

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Nos últimos anos, a MotoGP adotou uma postura até questionável de acompanhar os passos da F1. E, em algumas das tentativas, o tiro saiu pela culatra. O exemplo máximo é o documentárioMotoGP: Unlimited’, uma tentativa da Dorna de reproduzir o impacto que ‘Drive to Survive’ teve na categoria da FIA (Federação Internacional de Automobilismo).

O produto em si não é ruim, mas ele foi feito pensando em quem já é fã. Ou seja, não cumpre o objetivo de atrair novos espectadores, como tão bem fez a série da Netflix, que hoje é o ponto de origem de uma nova leva de fãs da F1. Sem contar na distribuição falha, já que alguns países sequer tiveram acesso ao material.

A fronteira da MotoGP está em se comunicar melhor. Se vender melhor. A Dorna produz um conteúdo excepcional para o fã do esporte, com diversos documentários disponíveis dentro do serviço de streaming próprio da categoria. Daí é possível constatar que eles sabem o excelente produto que têm nas mãos. Mas como comunicar isso para as novas gerações?

Uma das criticas mais presentes é que a MotoGP ainda não se encaixou no momento presente. Nesta pausa para as férias, dois incidentes mostraram como a MotoGP ainda é desconectada do mundo atual — diferente do que acontece com outras categorias, por exemplo. Primeiro, Jorge Martín usou uma expressão homofóbica durante uma participação no programa — polêmico — ‘El Hormiguero. O piloto da Pramac encontrou apoio entre os pares, com Aleix Espargaró inclusive lançando mão de um suposto “vitimismo chique” para defender o que classificou como um “garoto” soltando “uma frase feita sem maldade alguma”. O piloto da Aprilia, porém, não respondeu ao ser confrontado por um seguidor que relatou ter medo de ser atacado na rua por ser gay. Algo que, infelizmente, nós todos sabemos que acontece com a comunidade LGBTQIAP+ em vários lugares ao redor do mundo.

Vale destacar: Martín, que completa 26 anos no próximo dia 29, assumiu o próprio erro. “É verdade que temos de erradicar essas frases feitas, já que o mundo mudou para melhor. Temos de evoluir nesse sentido”, assumiu em entrevista ao diário espanhol AS.

Dias atrás, pouco antes de chegarmos a 2024, Fabio Quartararo foi atacado nas redes sociais com insultos homofóbicos após ter publicado nas redes sociais uma foto com um amigo. O francês, que teve de deletar o post do X (o antigo Twitter) e silenciar comentários no Instagram, não recebeu mensagens públicas de apoio nem da categoria e nem dos colegas. E nem sequer da própria equipe.

A FIM, que apoia uma iniciativa da FIA para combater o abuso online, tampouco saiu em defesa de ‘El Diablo’.

Mas não é a primeira vez em que a MotoGP silencia ante a discriminação. Em 2020, em meio à comoção mundial após a morte de George Floyd, que morreu após passar 8 minutos e 46s com o pescoço pressionado pelo joelho do então policial Derek Chauvin, Carmelo Ezpeleta, diretor-executivo da Dorna, negou racismo no campeonato, afirmando já correram no Mundial “pilotos de quase todas as raças”. Ele disse, também, que o campeonato já tinha se manifestado “muitas vezes”.

Essas ‘muitas’ manifestações, porém, quase não se fizeram notar. Na mesma época, enquanto muitos esportes tinham espaço para protesto de atletas, uma única pessoa se ajoelhava no paddock da MotoGP: um técnico de capacetes. Depois de quase toda uma temporada, verdade seja dita, Gino Rea se ajoelhou em apoio a causa e a Francis Bradfield, que vinha se manifestando só.

Entre os atletas, a manifestação veio apenas em setembro daquele ano, quando Franco Morbidelli usou um capacete que clamava por igualdade no GP de San Marino e da Riviera de Rimini.

O casco tinha um desenho de Morbidelli estilizado como a personagem Mister Señor Love Daddy, um radialista interpretado por Samuel L. Jackson no filme ‘Faça a coisa certa’, de 1989. O clássico, que foi produzido, escrito, dirigido e protagonizado por Spike Lee, conta uma história de tensão racial no Brooklyn, em Nova Iorque, e, em 1999, foi considerado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos um filme “cultural, histórico e esteticamente significativo”. A parte de trás do capacete tem a palavra ‘igualdade’ escrita em diversos idiomas.

Filho de mãe brasileira, Morbidelli disse não se considerar preto, mas assumi que sofreu “discriminação por causa da cor da minha pele, especialmente na escola em Roma”. O #21 considera, porém, que precisa ganhar respeito primeiro na pista antes de poder assumir um ativismo maior.

Mas não se trata aqui puramente de adotar uma postura ligada aos direitos humanos. Um artigo de 2018 da revista Harvard Business Review já apontava o efeito positivo de ambientes mais diversos e inclusivos, também no campo financeiro.

Uma equipe mais plural no comando de um campeonato tem mais chances de se comunicar com sucesso com um mundo igualmente plural.

Outro ponto que é válido destacar: a MotoGP teve tempo, mas não soube se preparar para o pós-Valentino Rossi. Durante anos, o #46 foi o melhor garoto propaganda do universo. Foi ele quem apresentou o esporte a inúmeros dos fãs de hoje. Mas o campeonato perdeu a chance de encontrar o novo Rossi.

Claro, é difícil achar alguém que reúna talento e carisma na mesma proporção de Rossi, mas a MotoGP tem pilotos com excelentes personalidades. Marco Bezzecchi é um cara brincalhão, diferente dos demais. Quartararo é excelente com crianças. Bagnaia é também atencioso com o público. O próprio Marc Márquez ficou conhecido pelas habilidades como propagandista, mas acabou um pouco prejudicado pelo conflito com o Valentino, o que colocou o espanhol na ingrata posição de inimigo número 1 de muitos dos fãs.

A MotoGP precisa identificar o potencial dos astros do esporte e explorar essa imagem. Nem todo mundo é efusivo e tudo mais, mas até com isso é possível trabalhar. Kimi Räikkönen é um exemplo disso. O finlandês era tão rabugento que até isso virou uma marca vendida pela F1.

A MotoGP precisa ela também sair da bolha dos fanáticos pela MotoGP se quiser alcançar aqueles que ainda não a conhecem. A Dorna precisa de uma estratégia para apresentar o excelente campeonato que tem nas mãos para um novo público.

A chegada de Dan Rossomondo para o posto de diretor-comercial foi um bom passo nesse sentido. E por várias razões. Primeiro por vir da NBA, um esporte que conseguiu se fazer presente até mesmo na vida de quem não assiste basquete — a NBA está em capas de caderno, latas de achocolatado, jogos de tabuleiro, toalhas de banho e etc. É fácil ver a NBA. Segundo, por não ser nem da família Ezpeleta (algo bem comum na gestão do campeonato) e nem espanhol. O norte-americano traz um olhar diferente, já que cresceu em uma cultura diferente — e seria o mesmo caso se ele fosse canadense, argentino, brasileiro ou de qualquer país com menos tradição no motociclismo.

Rossomondo ainda está conhecendo a MotoGP, se apaixonando por ela. Mas as mudanças precisam chegar.

O campeonato é ótimo, as disputas — em todas as classes — são ótimas de assistir. Então a MotoGP precisa achar um jeito de informar isso para mais pessoas. E os mais diversos tipos de pessoas. Só assim ela será um esporte cada vez mais global.

MotoGP volta a acelerar entre 6 e 8 de fevereiro de 2024, com os testes de pré-temporada na Malásia, no circuito de Sepang. O GRANDE PRÊMIO faz a cobertura completa do evento, assim como das outras classes do Mundial de Motovelocidade durante todo o ano.

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