Retrospectiva 2023: Jaguar acerta motor, mas implode e vira equipe do ‘quase’ na Fórmula E

Sem consistência no início do campeonato, a Jaguar se acertou ao ponto de virar o 'motor sensação' da Fórmula E. No entanto, viu Sam Bird se tornar um vilão interno e repetiu a sina de Mitch Evans na categoria, batendo na trave mais uma vez

Não foi dessa vez. Mesmo com aquele que se consolidou como o melhor conjunto da Fórmula E na temporada 2022/23, o inédito e tão sonhado título mundial não veio. Quem lê a abertura desta retrospectiva pode imaginar que o alvo da análise é o neozelandês Mitch Evans, terceiro colocado do campeonato — mesmo com o dobro de vitórias do campeão Jake Dennis. Porém, a história do piloto, que foi vice no ano anterior, se confunde com sua própria equipe — e a Jaguar, mais uma vez, ficou a ver navios.

O início da temporada na Fórmula E indicava que a categoria seria tomada de assalto pela Porsche como previsto até pelo experiente Lucas Di Grassi, campeão em 2016/17. Dennis, da Andretti, que usa os motores alemães, venceu a abertura e se colocou em segundo nas duas etapas seguintes, que tiveram Pascal Wehrlein, da equipe de fábrica, como vencedor.

Depois de demonstrar força em Hyderabad e perder o favoritismo pela vitória após uma lambança completa de Sam Bird, que abalroou Evans quando este executava com perfeição sua estratégia de abdicar da ponta, a Jaguar se viu em apuros de vez na Cidade do Cabo, com mais uma vitória da Porsche — desta vez, pelas mãos de António Félix da Costa.

A preocupação, então, era evidente: estaria a Fórmula E prestes a se tornar uma categoria de uma equipe só, tal qual a Fórmula 1? Então, um mês inteiro separou a etapa da África do Sul da estreia em São Paulo — e ali, no Sambódromo do Anhembi, surgiu o primeiro indicativo de que a história não seria bem assim.

Ao fundo, os dois carros da Jaguar acidentados após Bird acertar Evans pela primeira vez no ano (Foto: Fórmula E)

A verdade é que, desde o início do ano, a Porsche demonstrou falhas graves em ritmo de classificação, sem conseguir acertar a frenagem executada pelo trem de força traseiro. No entanto, a eficiência absurda na regeneração de energia do motor compensava a deficiência na definição do grid, e os pilotos conseguiam recuperações impensáveis durante a corrida.

Em Diriyah, Wehrlein venceu as duas, largando em nono e quinto; em Hyderabad, Da Costa foi terceiro depois de largar em 13º, enquanto Pascal foi quarto depois de sair em 12º; por fim, na Cidade do Cabo, o português venceu saindo em 11º. A tragédia na classificação era quase certa, mas a recuperação na corrida também.

A questão é que a pausa entre Cidade do Cabo e São Paulo fez maravilhas à Jaguar. Depois de realizar testes no motor e entender mais sobre o conceito ainda novo do Gen3, a equipe mostrou que não havia nada ganho no Brasil e colocou três carros com motores ingleses no pódio — Evans e Bird, do time de fábrica, em primeiro e terceiro lugares, com Nick Cassidy, da cliente Envision, entre eles.

A primeira vitória veio apenas no eP de São Paulo, sexta corrida da temporada (Foto: Fórmula E)

A partir daí, ficou claro que o melhor motor da categoria tinha origem inglesa, e não alemã. Evans venceu de novo em Berlim 1, Cassidy também emendou duas em Berlim 2 e Mônaco, e Wehrlein só voltou a dar o ar da graça na primeira perna de Jacarta.

A situação, naquele momento, era simples: a Porsche não conseguia resolver seus próprios problemas na classificação, o que transformava as recuperações em uma obrigação constante. A Jaguar, por outro lado, demonstrava excelente ritmo na hora de definir o grid e até perdia em termos de regeneração nas corridas — mas não o suficiente para permitir as remontadas do início da temporada.

Enquanto as esperanças de Wehrlein naufragavam, Dennis viveu uma seca incrível de pontos entre Hyderabad e Berlim 1, sem um tento sequer em quatro corridas. Mesmo com o azar que afetou o britânico em várias dessas etapas, ficou claro que o motor Porsche já tinha uma competidora à altura, e o nível se manteve até o fim da temporada — e, mesmo assim, não foi o suficiente para que a Jaguar garantisse nem o título de Pilotos, nem o de Equipes.

Em Jacarta, Bird bateu de novo em Evans e prejudicou seriamente as chances de título (Vídeo: Fórmula E)

Além de falhar em momentos cruciais, a Jaguar enfileirou acidentes internos que deram contornos de incredulidade à própria temporada. Bird, depois de arrebentar o carro de Evans em Hyderabad, repetiu o feito em Jacarta, algo impensável para uma equipe que almeje pelo título. No fim, os amigos Evans e Cassidy se acertaram de forma bizarra em Roma, praticamente encerrando as chances de taça para os dois.

Melhor para a Envision, que teve um Sébastien Buemi muito mais útil do que Bird no papel de segundo piloto e assegurou seu primeiro Mundial de Equipes da história. Dennis, que venceu só duas vezes, foi extremamente regular e inaugurou um novo recorde de pódios na história da categoria, com 11. E a Jaguar saiu, mais uma vez, de mãos abanando.

Foram oito vitórias [quatro de Evans e quatro de Cassidy] do trem de força inglês em toda a temporada, mais do que qualquer outra fabricante. Uma força que ficou explícita em números e desempenho, mas novamente não se traduziu em título. Faltou força no início da temporada, mas faltou também conscientizar Bird de sua própria posição dentro do time. Às vezes, para ser campeão, é necessário fazer concessões, e o inglês não parecia muito disposto — ou apto — a isso.

O climão dos pilotos explica bem o que foi a temporada da Jaguar em 2023 (Vídeo: GRANDE PRÊMIO)

Para o ano que vem, a Jaguar aprendeu a lição. Em uma temporada que tende a apresentar uma ordem de forças no mínimo parecida, Sam foi substituído justamente por Cassidy, que entende do equipamento e, junto a Evans, foi o maior vencedor do campeonato.

Se a Envision usou sua dupla corretamente para alcançar uma taça que insiste em fugir da montadora britânica, a fórmula será repetida pela Jaguar para que, enfim, o campeonato possa ser conquistado. No entanto, paira uma dúvida: a longeva amizade dos neozelandeses sobreviverá à batalha pelo título quando os dois se encontrarem na pista? Ou, à la Lewis Hamilton e Nico Rosberg, a competição no mais alto nível pode azedar a relação? Cenas para os próximos capítulos.

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